Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Bajulação


“Quando vi estampada nas páginas do Jornal de Angola a Lista que discriminava alguns dos beneficiários das residências recentemente construídas na chamada “Cidade do Kilamba”, apliquei-lhe imediatamente o título do filme de Steven Spielberg. Passei a designá-la por “A nossa Lista de Schindler”, mesmo que nada tenha a ver com o drama que inspirou Steven Spielberg a fazer o filme que veio a aumentar ainda mais a sua cotação como realizador de cinema.

As duas Listas surgem em quadros completamente distintos. A Lista de Oskar Schindler, no contexto do terror nazi, quando pretendia salvar vidas humanas dos fornos crematórios. A Lista do Kilamba, quando as autoridades angolanas se propõem acomodar um conjunto de cidadãos, supostamente desacomodados ou deficientemente acomodados.

É por demais evidente que existe um enorme défice de habitações no nosso país e, muito particularmente, em Luanda, fruto da conjugação de um conjunto de factores, entre os quais o crescimento exponencial da população nos últimos anos, a urbanização forçada movida pela guerra e pelo relativo abandono a que foi deixado o interior, também pela política de derrube de habitações precárias para o surgimento de novos espaços urbanos.

No projecto eleitoral de 2008, o MPLA prometeu que, em 4 anos, construiria 1 milhão de novos fogos, criando, assim, a sensação de, em pouco tempo, ter solucionado (ou minorado) o nosso défice habitacional.

De facto, temos estado a assistir ao surgimento de novos bairros (maioritariamente, condomínios) para onde se mudam, sobretudo, indivíduos da chamada classe média. Mas, como a classe média está em crescimento, aumenta também a necessidade de novos alojamentos. Há toda uma mole de gente que almeja um espaço adequado, que busca um relativo conforto, mesmo que se tenha de sujeitar ao incómodo de gastar horas e horas num trânsito infernal.

São também construídas, na nossa cidade, habitações para se alojarem algumas das vítimas de desalojamentos forçados (muitas vezes, violentos). Porém, o ritmo desse desalojamento é incompatível com o realojamento, havendo, por isso, quem fique em situação precária e até mesmo desesperada.

O Projecto da “Cidade do Kilamba” animou expectativas. O modo como se apresentou a sua gestão gerou, porém, frustrações e desencantos, por causa dos preços e das condições de pagamento. Mas, alteraram-se as regras e retomou o curso da esperança em alguns segmentos sociais.

Porém, a “bomba” rebentou com a publicação desta ista da polémica, a que eu agora vou chamando “A Nossa Lista de Schindler”.

Na “Nossa Lista de Schindler” catalogaram-se os “admitidos” a partir de critérios algo estranhos, por grupos. Há até grupos que fazem levantar suspeitas de favorecimento em função de eventuais serviços prestados... Isso retira toa seriedade ao processo de afectação das residências.

Acredito que alguns dos “premiados” venham a fazer negócio com as casas, pois possuem habitação condigna e até mesmo excedentária.

Não se deve aceder a uma casa do Estado por se ser cantor, deputado ou jornalista, professor, médico. Muito menos por se ser religioso. É ridículo aceder-se a uma casa por se ter estado “na campanha”…

Quem decidiu com base em tais critérios cometeu um erro de palmatória. Tê-lo-á cometido, por deformação cultural: habituou-se ao favorecimento, ao tráfico de influências, a considerar o país um xitaca onde só devem ter livre acesso, os amigos e os confrades.

Tenho pena de ter visto na nossa “Lista de Schindler” gente que prezo muito e de quem não tenho suspeitas sobre a sua idoneidade. Foram lá parar por um mero acaso – ou mesmo porque necessitam seriamente de comprar uma casa. Esses eu sei que querem comprar uma casa, e têm o direito de o querer.

Mas vi também na “Nossa Lista de Schindler” os “habitués”, os que estão sempre em todas. Esses, asseguro-vos, voltarão a aparecer numa outra qualquer Lista. Por exemplo, se o governo decidir construir ao lado da “Cidade do Kilamba”, a “Cidade do Kimbanda”, lá estarão eles de novo, feitos mendigos, de mão estendida, a espera de mais uma... E, para isso, para tornar isso possível, repetirão o mesmo exercício em que se especializaram: a bajulação.” Pinto de Andrade – Angola

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