Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Grande


Prof. Doutor Nuno Grande

“Mas, ontem, dia 10, dormi triste. Ao princípio da noite, tinha lido uma notícia que me abalou. Na página da necrologia do Jornal de Angola estava estampada a notícia da morte, na cidade do Porto, do meu querido professor do Curso Médico-Cirúrgico dos Estudos Gerais Universitários de Angola, o Professor Doutor Nuno Grande.

O Professor Nuno Grande foi um grande referencial para os estudantes de medicina do período colonial. Não só pela sua competência como docente, mas também pela sua valia como médico. Era ainda um grande humanista. Tenho do Professor Doutor Nuno Grande a melhor memória.

Recordo-me bem do dia em que o conheci. Foi o Gigi Mendonça que me levou ao Teatro Anatómico, para eu tomar contacto com o Curso que decidira seguir, logo que acabasse o Liceu. Depois, o Professor Doutor Nuno Grande deu-me aulas de Anatomia Descritiva. O seu Assistente era o Doutor Cadete Leite, de quem também fiquei amigo. Professores de prestígio no meio académico da época. O Doutor Eira Rebelo. O Doutor Sodré Borges. O velho Professor João de Oliveira e Silva (o Bló), e outros.

Fiquei amigo do Professor Doutor Nuno Grande. Partilhávamos a mesmo visão negativa contra o regime colonial e fascista da época. Com o Professor Nuno Grande, no seu gabinete, no Pavilhão de Anatomia, conversei algumas vezes sobre o regime de Salazar, e do fim inelutável que teria. Um regime fora do tempo que era necessário extinguir. Recebi palavras de solidariedade. Manifestou carinho por mim, quando já me encontrava preso, na cadeia de São Paulo, antes de partir para o Tarrafal.

O Professor Nuno Grande era não só um homem de saber, era também um homem de causas. Sempre ao lado das boas causas – até ao fim da sua vida.

Quando regressei do Tarrafal, passados os anos de afastamento, o Professor Nuno Grande recebeu-me novamente no seu gabinete, e pediu-me que retomasse o meu percurso académico. Disse-me que a Faculdade de Medicina me recebia de braços abertos – que eu passara a ser uma referência para aquela geração. Pensei, repensei… Mas eu já não era o mesmo Justino… Achei que o espaço dos hospitais passaria a ser muito restrito para mim. Eu precisava de mais espaço para fazer intervenção social. Não voltei. Mudei de rumo. Mudei de ciência.

O Professor Nuno Grande foi brilhante como estudante e como professor. Fez tudo com média de 19 valores. Mas era simples e de fácil relacionamento. Veio para Angola como Médico militar e notabilizou-se no Curso Médico-Cirúrgico em Luanda. Chegou a ser Vice-Reitor da Universidade de Luanda – sucedâneo dos Estudos Gerais Universitários de Angola. Quando regressou a Portugal, ao seu querido Porto, fundou o Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar.

O Professor Nuno Grande também se engajou na política, como um dever de cidadania. Foi mandatário da candidatura da Dr.ª Maria de Lourdes Pintassilgo à Presidência da República Portuguesa em 1985. Foi fundador e presidente da Associação de Desenvolvimento Regional e Intervenção Cívica. Teve um grande empenho no movimento pela despenalização do aborto. Ao nível da acção partidária, esteve muito ligado ao Bloco de Esquerda, mobilizando apoios às suas candidaturas.

Recuando agora aos velhos tempos dos Estudos Gerais Universitários de Angola e à Universidade de Luanda, apetece-me dizer que perdi um professor que soube ser solidário e mestre na intervenção social. É verdade, era mesmo Muito Grande o meu Professor Nuno Grande.” Pinto de Andrade - Angola

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