Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Becos


“Os processos de urbanização são um fenómeno natural na vida das comunidades. O que se vem passado, porém, entre nós, é que não estamos face a um processo de urbanização normal e controlado, um processo de urbanização fruto do desenvolvimento económico e social.

A nossa cidade vem crescendo de um modo desorganizado. O processo de urbanização em Angola em geral, e em Luanda em particular é, sobretudo, fruto de um êxodo rural que tem uma origem na guerra. Mas é igualmente o resultado de políticas públicas mal concebidas e mal executadas.

O êxodo rural que assola Luanda é, tipicamente, “terceiro-mundista”, e parece não ter fim à vista, dada a persistência de políticas públicas que ainda só atendem e privilegiam alguns habitantes das cidades. Cada vez mais, nas cidades e, sobretudo, em Luanda, se vêem novas e atraentes realizações, que se transformam em verdadeiras “miragens” para quem vive no interior. Por isso, o interior almeja, justamente, vir para a capital com o desejo de também puder beneficiar do “sonho de Luanda”. Como resultado, milhões de entre nós, acotovelamo-nos na periferia.

E, como a cidade necessita de crescer para albergar a crescente classe média, desenvolve-se um processo de desalojamento – não poucas vezes, com o recurso à força – para se dar espaço à construção de novos condomínios. Esta lógica dos condomínios, tal como existem entre nós, é ela também demasiado “terceiro-mundista”. É um fruto amargo da exclusão social e é geradora de exclusão social.

Nas periferias, deixou de haver espaço para o escoamento das águas pluviais. Todo o espaço que ainda existia foi tomado por mais “casebres”. E o que antigamente eram os quintais para dar qualidade de vida aos habitantes das casas, passou à condição de verdadeiros “bairros”, onde as pessoas se acotovelam em busca do seu pequeno e desconfortável abrigo.

Hoje, cada quintal inclui mais 2 ou 3 anexos que, por sua vez, crescem em compartimentos, para acolherem toda a gente que procura um tecto para morar. E as ruas da periferia viraram becos, becos pequenos que só dão para passar uma pessoa – e, em muitos casos, quase que de gatas, para não bater com a cabeça no tecto. Porque há sempre um pequeno espaço onde se pode plantar mais alguma coisa… Tudo isso conduz ao caos.

O caos é o acúmulo de gente em pequenos espaços insalubres. É o lixo que se transforma num companheiro permanente e indesejável de quem vive na periferia. São as poças de água que viram piscina das crianças da periferia, onde também se lança o lixo e os dejectos. A imundice. A podridão toma conta da vida dos pobres. Depois, vem o paludismo, as diarreias, a tuberculose. A alta mortalidade, sobretudo, a infantil, tem aí uma das suas principais causas.

A criminalidade juvenil, a violência doméstica casam bem em todo esse ambiente. Dão-se bem com a falta de iluminação, com a estreiteza dos becos, com a promiscuidade de toda ordem. Não dá, pois, para falar apenas da chuva. Há, entre nós, muitas outras chuvas que chocam, que matam, mesmo que seja de forma lenta: a chuva da miséria, da malnutrição, da violência permanente nos bairros pobres que só são objecto de atenção quando se aproxima o tempo do voto.

Nos países mais ricos e mais organizados, por vezes, a chuva que cai do Céu também se transforma em preocupação. Não é toda a chuva, como aqui entre nós – é apenas alguma, a chuva que vem quando São Pedro abre as comportas… Mas, aqui entre nós, qualquer chuvisco, mesmo tímido ou envergonhado, preocupa, perturba, e até mata. Esse é que é o nosso problema.

Tem, pois, que haver uma solução. A solução é acabar com a desorganização que aprofunda a pobreza e que expõe os pobres a todas as contingências… Pelo menos a pobreza extrema, que até nos envergonha.”  Pinto de Andrade – Angola

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