Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

domingo, 30 de setembro de 2012

Bica


Em muitas regiões de Portugal para se pedir um café, usa-se o termo “bica” cujas origens nos levam para os finais dos anos quarenta princípios de cinquenta do séc. XX. Muitas estórias são hoje contadas, principalmente em programas avulsos de televisão sobre a utilização deste termo, “bica”.

Mas há uma história verdadeira e a última vez que ouvi alguém contar correctamente foi na Trafaria, por um homem experiente, que começou a trabalhar ainda jovem em Lisboa, viajou e trabalhou por Angola e Brasil, regressou a Portugal e agora está estabelecido na Trafaria, terra da margem esquerda do Tejo, mesmo junto à foz, que ficou parada no tempo.

A Trafaria que já teve uma das melhores praias de Portugal, com apoios de fazer ainda hoje inveja a muitos locais turísticos, tinha na praia, na década cinquenta do século passado, chuveiros e baloiços para as crianças, além dum extenso areal que já não chegava ao Bugio, onde a amêijoa era rainha e por onde, às vezes, se apanhavam polvos.

Voltando ao homem experiente que se estabeleceu na Trafaria, no restaurante Brilhante na Av. Bulhão Pato, ele explicou logo e bem a origem da palavra bica para se pedir um café.

Antigamente os cafés eram servidos em chávenas de vidro, que era o material que se usava nas cafetarias até que começaram a aparecer as chávenas de porcelana, de má qualidade, pois a porcelana partia-se no bordo e havia quem as não considerasse higiénicas. O formato destes utensílios de porcelana fazia recordar uma bica por onde corria a água e levou os clientes das cafetarias a diferenciarem o material onde queriam beber o café, em dizer “bica” quando era em chávena de porcelana, ou “café” quando era em chávena de vidro.  

Há muito que as chávenas de vidro desapareceram do circuito comercial, mas o termo “bica” ficou até que um dia uma nova história altere tudo de novo. Baía da Lusofonia

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Sines

                          O Brasil e o Porto de Sines
                                                                                                        
                Os elevados custos de vigilância contra a pirataria internacional que ocorre na zona do Estreito de Malaca, Península Arábica, Chifre da África e Golfo da Guiné levaram os países ocidentais a apoiar o alargamento do Canal do Panamá, para a passagem de navios de grande porte, já que, dessa maneira, o tráfego no Oceano Pacífico será em mar aberto, reduzindo as possibilidades de ataques.

            Com esse alargamento do Canal do Panamá, o Porto de Sines, em Portugal, passará a ser a porta de entrada da maioria das mercadorias com destino ou partida da Europa, fazendo-se o transhipment no Terminal XXI, especializado na movimentação de contêineres, cuja gestão foi entregue em 2004 à PSA de Singapura.
            Levando-se em conta essa perspectiva, não há dúvida que, para o Brasil, o porto de Sines ganha grande importância porque está claro que o comércio internacional dependerá – e muito – de meganavios, que possam ancorar em portos de águas profundas, com calado superior a 14 metros, facilidade de atracação e ausência de assoreamento. Como Sines, o Brasil dispõe do porto de Vitória-ES, instalado em zona de águas profundas, que poderia constituir uma das bases dessa “ponte” que estimularia o transporte intercontinental entre a América do Sul e a Europa.
            De Sines, o que se pode dizer é que tem recebido os maiores navios porta-contêineres da atualidade, entrando em concorrência direta com os portos holandeses e belga. É claro que existem carências, como a ausência de uma linha férrea que o ligue diretamente à Europa, de bitola europeia, pois a que existe ainda faz muitos itinerários intermediários por Portugal até chegar à fronteira.
            Falta também uma via rápida em direção a Sevilha, passando pelo Aeroporto Internacional de Beja, que fica a 100 quilômetros de Sines. Antiga base militar construída por alemães, esse aeroporto recebeu um investimento de 35 milhões de euros do governo português e foi reinaugurado em 2011. Como aeroporto civil, com a melhor pista de Portugal continental, superior à do aeroporto da Portela de Sacavém, em Lisboa, reúne condições excepcionais para o transporte de produtos perecíveis. É de ressaltar ainda que uma mercadoria em trânsito da América para Madri, se passar pelo Porto de Sines, que trabalha 24 horas por dia e sete dias por semana, ganha 48 horas, em vez de ir por Valência, na Espanha.
            Sob uma visão lusófona, é de lembrar ainda que é muito importante que se construam portos de águas profundas nos países de língua portuguesa. Além do projeto que o Brasil pode desenvolver em Vitória, Moçambique tem um extraordinário porto de águas profundas em Nacala, enquanto São Tomé e Príncipe estuda a possibilidade da construção de porto em Fernão Dias, perto da capital, com recursos franceses. Sem contar que a Guiné-Bissau, antes da atual fase de instabilidade constitucional por que passa, estudava um projeto de um porto de águas profundas em Buba, com capital angolano. Por tudo isso, o governo brasileiro deveria colocar entre suas prioridades a construção de portos de águas profundas. Milton Lourenço - Brasil
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Milton Lourenço é presidente da Fiorde Logística Internacional e diretor do Sindicato dos Comissários de Despachos, Agentes de Cargas e Logística do Estado de São Paulo (Sindicomis) e da Associação Nacional dos Comissários de Despachos, Agentes de Cargas e Logística (ACTC).

Algarve

Inicia-se hoje no Algarve, dia 28 de Setembro de 2012 e prolonga-se até ao dia 30, o 1º Fórum Empresarial do Algarve organizado pelo LIDE Portugal, Grupo de Líderes Empresariais, que no passado dia 01 de Julho comemorou o seu primeiro aniversário.

O evento que se realiza em Vilamoura tem como tema principal “A Crise Europeia e Internacional” estando previsto a presença de aproximadamente 400 convidados e pretende ser um acontecimento empresarial de referência no espaço dos países de língua oficial portuguesa, que permitirá encurtar distâncias entre as empresas de diferentes países dos quatro continentes presentes, promovendo oportunidades de negócios e contribuindo para desenvolver as economias nacionais envolvidas.

O Fórum irá reunir os principais gestores e empresários de Portugal, Brasil, Angola e Moçambique que estarão acompanhados por personalidades da Espanha, Itália, Índia, Panamá, China e Emiratos Árabes Unidos.

Luís Miguel Henrique, presidente executivo do LIDE Portugal, pretende que este 1º Fórum Empresarial do Algarve tenha a qualidade e o sucesso do Fórum de Comandatuba no Brasil que se realizou o ano passado e anunciou que o próximo já está agendado para Angola, realizando-se sempre na última semana de Setembro. Temas como “Saúde e Novas Tecnologias”, “Turismo de Saúde em Portugal”, “A Crise Europeia e suas Saídas - Soluções para Portugal”, “O Papel dos Mercados Emergentes no Mundo”, “Gastronomia Algarvia”, são alguns dos painéis que compõe este 1º Fórum Empresarial do Algarve. Baía da Lusofonia


quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Catalunha

Os portugueses estão eternamente agradecidos aos catalães, pois a restauração da independência portuguesa em 1640 teve a ajuda indirecta da Catalunha que lutava na época também pela sua emancipação em relação a Espanha, iniciando a guerra dos Segadores precisamente nesse ano de 1640 e que durou até 1652, com o resultado que todos hoje conhecemos.

Quando o presidente do governo regional da Catalunha Artur Mas anuncia que convocará um referendo sobre a independência da sua terra a Catalunha, os portugueses, a população portuguesa trabalhadora, consciente do que é ser um povo independente, só pode regozijar-se com tal notícia, embora a mensagem transmitida pelos que vivem da política não seja realmente essa.

Artur Mas considera que em primeiro lugar que o referendo deve ser feito segundo as leis vigentes, mas se não for possível, a consulta deverá ser realizada em qualquer caso, mesmo que o governo central não autorize.

Até agora havia factores culturais e políticos a favor da independência da Catalunha, agora juntou-se o factor económico, pois a crise que está a atingir a Espanha, está também a afectar a Catalunha, com um desemprego elevado, principalmente entre os jovens e um contributo considerado desproporcionado para o orçamento espanhol, devido à necessidade do governo central fazer face às regiões mais pobres do país, levam que os catalães digam que está na hora de dizer basta!

Quando se aborda que a questão passa por um estado federal, muito bem, primeiro as regiões passam a estados independentes e depois estarão em patamar igual para poderem analisar o futuro desse mesmo estado. A Galiza e o País Basco têm também uma palavra a dizer na península ibérica. Baía da Lusofonia


quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Acordai

Acordai
acordai
homens que dormis
a embalar a dor
dos silêncios vis
vinde no clamor
das almas viris
arrancar a flor
que dorme na raíz

Acordai
acordai
raios e tufões
que dormis no ar
e nas multidões
vinde incendiar
de astros e canções
as pedras do mar
o mundo e os corações

Acordai
acendei
de almas e de sóis
este mar sem cais
nem luz de faróis
e acordai depois
das lutas finais
os nossos heróis
que dormem nos covais
Acordai!

Gomes Ferreira – Portugal

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Infraestruturas

                              Faltam estruturas logísticas
                                                                                                                         
                Não se sabe por que artes do destino faltou no Programa de Investimentos em Logística: Rodovias e Ferrovias, lançado pelo governo federal em agosto dentro do Plano Nacional de Logística e Transportes (PNLT), um tema essencial: a construção de estruturas logísticas ao longo do imenso território brasileiro. Afinal, não é de hoje que a imprensa especializada e mesmo a mídia em geral dedicam espaço à falta de condições de higiene que os caminhoneiros enfrentam em seu trabalho de movimentar cargas por todo o País.

            Não se pode dizer que a omissão se deu por desconhecimento ou falta de oportunidade, pois, afinal, o governo baixou em 30 de abril a Lei 12.619/12, que dispõe sobre o exercício da profissão de motorista e altera a Consolidação das Leis do Trabalho, com o objetivo de regular e disciplinar a jornada e o tempo que o profissional pode ficar na direção de um veículo, além de cuidar de outros assuntos relacionados com essa atividade profissional.

            Aliás, entre as sugestões encaminhadas pela Associação Nacional de Transporte de Cargas e Logística (NTC&Logística) ao projeto de lei estava a da construção de infraestrutura para os pontos de parada de caminhões. Só que essa sugestão foi alvo de veto pelo governo, embora essa infraestrutura seja fundamental para que a legislação seja cumprida. Afinal, sem terminais logísticos adequados para que os motoristas possam fazer com segurança suas paradas, cumprindo assim os horários de viagens e as horas de descanso, a lei pode se tornar letra morta.

            Portanto, parece claro que, antes de tudo, o governo precisa mapear e incentivar a construção de terminais logísticos, especialmente em regiões carentes. E deixar a construção e a operação desses terminais por conta da iniciativa privada. Assim, além de oferecer todos os serviços logísticos para as empresas interessadas, esses terminais poderiam colocar à disposição dos caminhoneiros áreas de descanso e locais dignos para os serviços de higiene pessoal.

            É verdade que algumas rodovias não estão sob o regime de concessão, mas nesse caso bastaria estimular as parcerias público-privadas (PPPs) não só para a execução das obras como para a operação dos terminais. Afinal, no atual estágio em que se encontra a economia do País, não há quem não possa prever a expansão não só do comércio exterior como dos negócios internos, o que significa que é absolutamente necessário o crescimento do número das estruturas de armazenagem ao longo das rodovias.

            Para que essas estruturas tenham qualidade e cumpram à risca o que delas se pode esperar, é essencial que o governo encontre meios de estimular a sua multiplicação. Afinal, com uma rede de terminais operados pela iniciativa privada que cubra com eficiência todo o território nacional, a competitividade da logística só aumentará. Com isso, o produto brasileiro ficará também mais competitivo, ganhando maior espaço no mercado internacional. Milton Lourenço – Brasil
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Milton Lourenço é presidente da Fiorde Logística Internacional e diretor do Sindicato dos Comissários de Despachos, Agentes de Cargas e Logística do Estado de São Paulo (Sindicomis) e da Associação Nacional dos Comissários de Despachos, Agentes de Cargas e Logística (ACTC). Site: www.fiorde.com.br E-mail: fiorde@fiorde.com.br

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Trabalho

De trabalhador do sector público em Portugal a empregado de limpeza na Suíça.

Segundo o economista da Organização Internacional do trabalho (OIT) Daniel Vaughan-Whitehead os trabalhadores do sul da europa, especialmente Grécia, Espanha e Portugal estão a deslocar-se para os países do norte em busca de empregos estáveis, incluindo neste movimento os trabalhadores do sector público.

Como exemplo, Vaughan-Whitehead entrevistou uma portuguesa de 50 anos de nome Ana B. que veio trabalhar para um café numa cidade suíça como empregada de limpeza e de manutenção. No Porto em Portugal, ela trabalhava como secretária num organismo público, mas as dificuldades em pagar as despesas mensais, obrigaram-na a procurar novo rumo.

“Sou uma mãe solteira e tenho o meu filho de vinte anos a estudar na faculdade. Estou a pagar um apartamento que comprei na periferia do Porto há alguns anos e como o vencimento que estava a receber já não chegava para as despesas, pois a crise económica e a austeridade que se seguiu, com o congelamento do salário, obrigou-me a procurar uma nova vida.”

Perante um cenário oferecido de receber mais do dobro que recebia em Portugal, trocando a profissão de secretária por empregada de limpeza, Ana B. não olhou para trás e decidiu avançar para um novo desafio.

A decisão não foi fácil, pois sente a falta dos pais e lamenta não poder ver o filho, embora todas as noites através da internet mantenha o contacto possível.

Este caso não é único e para Daniel Vaughan-Whitehead Portugal é um dos países mais afectados pelas medidas de austeridade. “A história da Ana, em parte, ilustra as dificuldades crescentes que os trabalhadores na generalidade incluindo o sector público enfrentam desde o início da crise.” Baía da Lusofonia


domingo, 23 de setembro de 2012

Khosa


Ungulani Ba Ka Khosa: a África que o Brasil não conhece
                                                                                            I
            Enquanto as universidades e editoras portuguesas e brasileiras, praticamente, só estudam e publicam autores africanos lusodescendentes – com as exceções de praxe, na área editorial, como a Editorial Caminho, de Lisboa, que tem tradição na área –, pouco se lê sobre romancistas, contistas e poetas africanos autóctones ou mestiços que utilizam a Língua Portuguesa como meio de expressão. E, no entanto, em poucos anos, se a Língua Portuguesa – a língua do invasor e do colonizador – quiser sobreviver no continente africano – e com ela todo o legado lusófono –, será mesmo dos autores autóctones que dependerá.

            Esse incompreensível silêncio – que reflete, pelo lado português, segundo o professor Patrick Chabal, do King´s College de Londres, certa saudade colonialista ainda não superada e, pelo lado brasileiro, descomunal desconhecimento em relação a assuntos africanos – é o que explica que um livro como Emerging Perspectives on Ungulani Ba Ka Khosa: prophet, trickster, and provacateur, preparado pelo professor Niyi Afolabi, ainda não tenha sido editado no Brasil nem em Portugal. E que, para lê-lo, tenhamos de recorrer à edição da Africa World Press, Inc., com sede em Trenton, New Jersey, EUA, e em Asmara, na Eritreia, país do Nordeste da África, antiga colônia italiana, às margens do Mar Vermelho, que se separou da Etiópia em 1991.

            Pouco conhecido do público-leitor brasileiro, Khosa (1957) não teve até hoje obra publicada no Brasil, mas esteve em São Paulo em novembro de 2010 para participar de um encontro na Casa das Áfricas e de um debate na Biblioteca de São Paulo sobre “O negro na literatura internacional”, que teve a mediação de Carmen Lucia Tindó Secco, doutora em Literatura Brasileira e professora de Literaturas Africanas na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

            Trata-se de um dos mais importantes autores moçambicanos de sua geração, ganhador do Prêmio José Craveirinha de 2007 por seu livro Os Sobreviventes da Noite. Outro galardão que atesta a qualidade de sua obra é o Grande Prêmio de Literatura Moçambicana de 1990 por Ualalapi, que foi assinalado como um dos cem melhores livros africanos do século XX. No Brasil, Khosa já havia estado em 1987 para participar do lançamento da antologia Sonha Mamana Africa, preparada pela professora e jornalista Cremilda Medina de Araújo, da Universidade de São Paulo (USP).

            Nascido em Inhaminga, província de Sofala, Ungulani Ba Ka Khosa é o nome tsonga – grupo étnico do Sul de Moçambique – de Francisco Esaú Cossa, bacharel em História e Geografia pela Faculdade de Educação da Universidade Eduardo Mondlane, de Maputo, professor de carreira e atual diretor do Instituto Nacional do Livro e do Disco, de Moçambique. Khosa também exerceu a função de diretor-adjunto do Instituto Nacional de Cinema e Audiovisual de Moçambique, participando na elaboração de roteiros e jornais cinematográficos. Filho de pais enfermeiros, Khosa completou os estudos secundários na Zambézia e tornou-se professor em 1978.

            É autor de seis livros, Ualalapi (1987), Orgia dos Loucos (1990), Histórias de Amor e Espanto (1993), No Reino dos Abutres (2001), Os Sobreviventes da Noite (2005) e Choriro (2009). Co-fundador da revista literária Charrua, na década de 90, tem escrito crônicas e artigos para vários jornais africanos. Membro da Associação dos Escritores Moçambicanos, recebeu ainda o prêmio Gazeta de Ficção Narrativa (1988), além de ter sido homenageado em 2003 pela Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP).          
                                                                   II
            Essa vasta obra justifica o livro que Niyi Afolabi, doutor em Estudos Africanos e Portugueses pela Universidade de Wisconsin-Madison e professor de Literaturas Brasileira, Ioruba e de Estudos da Diáspora Africana da Universidade do Texas, de Austin, EUA, preparou, reunindo quinze ensaios escritos por estudiosos de várias partes do mundo, além de entrevistas e excertos de textos do autor. Na maioria, os textos estão em inglês – inclusive, excertos dos livros –, mas há seis ensaios em português.

            Entre esses, destacam-se “Transculturação e representatividade lingüística em Ungulani Ba Ka Khosa: um comparatismo da solidariedade”, de Nataniel Ngomane, professor do Departamento de Lingüística e Literatura da Universidade Eduardo Mondlane, de Maputo, doutor em Letras pela Universidade de São Paulo (USP), e “O outro na representação da identidade nacional nas obras de Mia Couto, Suleiman Cassamo e Ungulani Ba Ka Khosa”, de Christoph Oesters, doutor pela Universidade de Utrecht, Holanda, com a tese “Figuras do Outro: identidades pós-coloniais no romance moçambicano contemporâneo” (2005).

            Os demais ensaios são de Ana Mafalda Leite, professora de Literatura Africana Lusófona da Universidade de Lisboa, António Belchior Vaz Martins, autor de Teoria e Práticas de Análise da Narrativa: as mitologias apocalípticas e Ualalapi de Ungulani Ba Ka Khosa (2004), Daniela Neves Lima, professora da Pontifícia Universidade Católica (PUC), de Belo Horizonte, e Ebenezer Adedeji Omoteso, coordenador de Estudos Portugueses no Departamento de Línguas Estrangeiras da Universidade Obafemi Awolowo, da Nigéria.

            Além da introdução “Quem tem medo de Ungulani Ba Ka Khosa?”, de Niyi Afolabi, igualmente traduzida para o português, há estudos de Jared Banks, doutor em Línguas e Literaturas Africanas pela Universidade de Wisconsin-Madison, Gilberto Matusse, professor do Departamento de Lingüística e Literatura da Universidade Eduardo Mondlane, de Maputo, Anne Sletsjoe, professora de Literatura Portuguesa da Universidade de Oslo, Noruega, Sophia Beal, doutoranda em Estudos Portugueses e Brasileiros pela Universidade Brown, EUA, Sunday Bamisile, doutorando em Literatura Comparada pela Universidade de Lisboa, e do próprio organizador do volume.
                                                                   III
            Como se vê por aqui, Khosa é um autor já largamente estudado por críticos de outras línguas. E que há muito já deveria ter sido editado no Brasil. Aliás, desde o seu primeiro livro, Ualalapi, romance histórico e primeira obra de ficção que se dedica exclusivamente ao passado colonial de Moçambique e conta a ascensão de Ngungunhane, imperador de Gaza, famoso pela resistência que opôs aos portugueses ao final do século XIX, até o fim de seu império.

            Como observa Oesters, o livro é construído a partir de fragmentos históricos, comentários de oficiais portugueses envolvidos na campanha contra o líder africano. São seis contos que acabam por reconstituir na imaginação episódios daquele período, formando um romance. O importante, porém, é que, ao contrário do que comumente se pode imaginar, o livro não apresenta Ngungunhane como um “grande líder” nem se preocupa em relatar seus possíveis feitos históricos contra a violência do domínio colonial, como foi feito no período pós-independência (1975). “Em vez disso, dedica-se muito mais a uma representação de Ngungunhane que corresponde à realidade histórica, mostrando a imagem de um tirano cruel em relação a outros povos africanos, mas também para com seu próprio povo”, diz Oesters.

            Oesters observa que o “Outro” na obra de Khosa aparece na forma dos “brancos, do outro lado do mar”, mas em breves referências. Numa delas, refere-se à morte de Ngungunhane no exílio “em roupas que sempre rejeitara e no meio da gente da cor do cabrito esfolado que muito se espantara por ver um preto”.
                                                                   IV
            Já Nataniel Ngomane, em seu ensaio, faz um paralelo entre a obra de Khosa e a dos autores latino-americanos do boom, a partir da constatação de que as culturas de ambos os lados são historicamente mestiças, “como produto do contato entre elementos indígenas – em si já bastante diversificados –, africanos e aluviões imigratórios europeus e asiáticos, na América Latina, e de elementos indígenas – não menos diversificados que aqueles –, árabes, asiáticos e europeus em Moçambique”.

            Ngomane ressalta que essa situação vem sendo explorada por narrativas como as de Khosa e de Mia Couto que, “no intuito de representar a conjugação dos imaginários e atitudes aí presentes, acabam por configurar processos culturais diversos”. Para tanto, vale-se da já clássica obra Contrapunteo cubano del tabaco y el azúcar (Havana: Letras Cubanas, 1991), de Fernando Ortiz (1881-1969), publicada pela primeira vez em 1940, tão estudada no Departamento de Letras Modernas da USP, mas que, incompreensivelmente, ainda está à espera de publicação por editora brasileira.

            Ngomane ressalta que, além de utilizar termos de origem bantu, “desconhecidos da maioria dos leitores em português, Khosa incorpora em sua linguagem a descrição de universos culturais a que esses termos se vinculam”. Ou seja, Khosa salpica seu texto com expressões verbais de origem bantu, mas o faz de uma maneira mais palatável ao leitor, explicando os termos no próprio texto, sem recorrer a um glossário no final do livro ou a notas de rodapé.
                                                                   V                    
            Obviamente, ninguém é contra que professores de outros mundos não lusófonos se preocupem em estudar as literaturas africanas de expressão portuguesa. Pelo contrário. O que se lamenta é que tanto em Portugal como no Brasil se dê tão pouco espaço aos escritores africanos autóctones que se utilizam da língua portuguesa. Até porque, como observa Perpétua Gonçalves em Português de Moçambique: uma variedade em formação (Maputo: Livraria Universitária e Faculdade de Letras da UEM, 1996), citada por Nataniel Ngomane, só uma minoria em Moçambique que teve acesso à escola (25%) e que habita nos centros urbanos (17%) fala português.

            Como o país é formado por muitas nações e 95% da população têm como língua materna uma língua bantu, por enquanto, o Português serve como uma espécie de tertius (neutro) para a língua oficial, já que, se um grupo étnico local quiser impor a sua língua como a predominante, com certeza, irá causar insatisfação entre os demais. Mas, se Portugal e Brasil continuarem de costas viradas para a África, não será difícil que Camões (c.1524-1580) seja substituído por Shakespeare (1564-1616) em pouco tempo. Até porque a África do Sul é logo ali. Depois, não digam que ninguém avisou. Adelto Gonçalves - Brasil
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EMERGING PERSPECTIVES ON UNGULANI BA KA KHOSA: PROPHET, TRICKSTER, AND PROVACATEUR, de Niyi Afolabi (editor).Trenton, New Jersey/Asmara, Eritrea, Africa World Press, Inc.,458 págs. , 2011, US$ 39,95. Site: www.africaworldpressbooks.com  E-mail: customerservice@africaworldpressbooks.com
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Adelto Gonçalves é doutor em Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo e autor de Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002) e Bocage – o Perfil Perdido (Lisboa, Caminho, 2003). E-mail: marilizadelto@uol.com.br
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Texto publicado no jornal quinzenal “As Artes entre as Letras” Porto - 12.09.2012  http://www.artesentreasletras.com.pt/index.php/home/index/20

sábado, 22 de setembro de 2012

Social


“Nós temos nos últimos dez anos, 35 milhões de pessoas entrando para a classe média. Em 2002, 38% da população compunha a classe média brasileira, em 2012 somos 53% da população. Dos 35 milhões de brasileiros que ingressaram na classe média, nos últimos dez anos, cerca de 80% são negros. Dos 104 milhões de pessoas da classe média, com renda per capita entre R$ 291 e R$ 1.019, 53% são negros, e 47%, brancos. Não foi uma política assistencial que elevou milhões de brasileiros à classe média, fazendo dela maioria da população, foram a renda, o trabalho e o esforço pessoal.

A pobreza no Brasil nesse período caiu de 27 % da população brasileira em 2002 para menos de 15% em 2012. A extrema pobreza, que é um dos desafios do governo, ela passou de 10% em 2002 para menos de 5% da população.” Moreira Franco - Brasil

Ciência


“O trabalho a ser feito é fazer da língua portuguesa para além de uma língua de cultura, uma língua de ciência e tecnologia. Caberá aos países mais avançados e mais populosos como Brasil, Portugal, Angola, Moçambique de trabalharem para fazer da língua portuguesa uma língua de cultura, mas sobretudo uma língua de ciência e tecnologia. Hoje, como sabemos, estes dois elementos são importantíssimos e que dominarão nesta área que é fundamental hoje. As investigações, nos mais diversos domínios, precisarão ter o português. Eu penso que este é o esforço que deve ser feito.” Pedro Pires – Cabo Verde

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Capitalismo

Um canhão pelo cú

“Se percebemos bem - e não é fácil, porque somos um bocado tontos -, a economia financeira é a economia real do senhor feudal sobre o servo, do amo sobre o escravo, da metrópole sobre a colónia, do capitalista manchesteriano sobre o trabalhador explorado. A economia financeira é o inimigo da classe da economia real, com a qual brinca como um porco ocidental com corpo de criança num bordel asiático.

Esse porco filho da puta pode, por exemplo, fazer com que a tua produção de trigo se valorize ou desvalorize dois anos antes de sequer ser semeada. Na verdade, pode comprar-te, sem que tu saibas da operação, uma colheita inexistente e vendê-la a um terceiro, que a venderá a um quarto e este a um quinto, e pode conseguir, de acordo com os seus interesses, que durante esse processo delirante o preço desse trigo quimérico dispare ou se afunde sem que tu ganhes mais caso suba, apesar de te deixar na merda se descer.

Se o preço baixar demasiado, talvez não te compense semear, mas ficarás endividado sem ter o que comer ou beber para o resto da tua vida e podes até ser preso ou condenado à forca por isso, dependendo da região geográfica em que estejas - e não há nenhuma segura. É disso que trata a economia financeira.

Para exemplificar, estamos a falar da colheita de um indivíduo, mas o que o porco filho da puta compra geralmente é um país inteiro e ao preço da chuva, um país com todos os cidadãos dentro, digamos que com gente real que se levanta realmente às seis da manhã e se deita à meia-noite. Um país que, da perspectiva do terrorista financeiro, não é mais do que um jogo de tabuleiro no qual um conjunto de bonecos Playmobil andam de um lado para o outro como se movem os peões no Jogo da Glória.

A primeira operação do terrorista financeiro sobre a sua vítima é a do terrorista convencional: o tiro na nuca. Ou seja, retira-lhe todo o carácter de pessoa, coisifica-a. Uma vez convertida em coisa, pouco importa se tem filhos ou pais, se acordou com febre, se está a divorciar-se ou se não dormiu porque está a preparar-se para uma competição. Nada disso conta para a economia financeira ou para o terrorista económico que acaba de pôr o dedo sobre o mapa, sobre um país - este, por acaso -, e diz "compro" ou "vendo" com a impunidade com que se joga Monopólio e se compra ou vende propriedades imobiliárias a fingir.

Quando o terrorista financeiro compra ou vende, converte em irreal o trabalho genuíno dos milhares ou milhões de pessoas que antes de irem trabalhar deixaram na creche pública - onde estas ainda existem - os filhos, também eles produto de consumo desse exército de cabrões protegidos pelos governos de meio mundo mas sobreprotegidos, desde logo, por essa coisa a que chamamos Europa ou União Europeia ou, mais simplesmente, Alemanha, para cujos cofres estão a ser desviados neste preciso momento, enquanto lê estas linhas, milhares de milhões de euros que estavam nos nossos cofres.

E não são desviados num movimento racional, justo ou legítimo, são-no num movimento especulativo promovido por Merkel com a cumplicidade de todos os governos da chamada zona euro.

Tu e eu, com a nossa febre, os nossos filhos sem creche ou sem trabalho, o nosso pai doente e sem ajudas, com os nossos sofrimentos morais ou as nossas alegrias sentimentais, tu e eu já fomos coisificados por Draghi, por Lagarde, por Merkel, já não temos as qualidades humanas que nos tornam dignos da empatia dos nossos semelhantes. Somos simples mercadoria que pode ser expulsa do lar de idosos, do hospital, da escola pública, tornámo-nos algo desprezível, como esse pobre tipo a quem o terrorista, por antonomásia, está prestes a dar um tiro na nuca em nome de Deus ou da pátria.

A ti e a mim, estão a pôr nos carris do comboio uma bomba diária chamada prémio de risco, por exemplo, ou juros a sete anos, em nome da economia financeira. Avançamos com rupturas diárias, massacres diários, e há autores materiais desses atentados e responsáveis intelectuais dessas acções terroristas que passam impunes entre outras razões porque os terroristas vão a eleições e até ganham, e porque há atrás deles importantes grupos mediáticos que legitimam os movimentos especulativos de que somos vítimas.

A economia financeira, se começamos a perceber, significa que quem te comprou aquela colheita inexistente era um cabrão com os documentos certos. Terias tu liberdade para não vender? De forma alguma. Tê-la-ia comprado ao teu vizinho ou ao vizinho deste. A actividade principal da economia financeira consiste em alterar o preço das coisas, crime proibido quando acontece em pequena escala, mas encorajado pelas autoridades quando os valores são tamanhos que transbordam dos gráficos.

Aqui se modifica o preço das nossas vidas todos os dias sem que ninguém resolva o problema, ou mais, enviando as autoridades para cima de quem tenta fazê-lo. E, por Deus, as autoridades empenham-se a fundo para proteger esse filho da puta que te vendeu, recorrendo a um esquema legalmente permitido, um produto financeiro, ou seja, um objecto irreal no qual tu investiste, na melhor das hipóteses, toda a poupança real da tua vida. Vendeu fumaça, o grande porco, apoiado pelas leis do Estado que são as leis da economia financeira, já que estão ao seu serviço.

Na economia real, para que uma alface nasça, há que semeá-la e cuidar dela e dar-lhe o tempo necessário para se desenvolver. Depois, há que a colher, claro, e embalar e distribuir e facturar a 30, 60 ou 90 dias. Uma quantidade imensa de tempo e de energia para obter uns cêntimos que terás de dividir com o Estado, através dos impostos, para pagar os serviços comuns que agora nos são retirados porque a economia financeira tropeçou e há que tirá-la do buraco. A economia financeira não se contenta com a mais-valia do capitalismo clássico, precisa também do nosso sangue e está nele, por isso brinca com a nossa saúde pública e com a nossa educação e com a nossa justiça da mesma forma que um terrorista doentio, passo a redundância, brinca enfiando o cano da sua pistola no rabo do sequestrado.

Há já quatro anos que nos metem esse cano pelo rabo. E com a cumplicidade dos nossos."  Juan Millas – Espanha in “El País”

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Óbito

Elsa Rodrigues dos Santos, presidente da Sociedade da Língua Portuguesa, faleceu na quarta-feira, 19/09/2012, em Faro, em cujo hospital fora internada de urgência, vítima de uma súbita infeção generalizada (sepsia). Natural de Lourenço Marques, atual Maputo, Moçambique, Elsa Rodrigues dos Santos era licenciada em Filologia Românica, com o mestrado em Literaturas Brasileira e Africanas de Língua Portuguesa pela Faculdade de Letras de Lisboa. Foi professora do ensino secundário e professora convidada da Universidade Lusófona e do Instituto Superior de Ciências Educativas. Autora de várias obras, entre elas As Máscaras Poéticas de Jorge Barbosa e a Mundividência Cabo-Verdiana, de 1989, ou ainda Jorge Barbosa – Poesia Inédita e Dispersa, assinou ainda ensaios e estudos, entre eles trabalhos sobre os poetas Corsino Fortes e Arménio Vieira, centrando grande parte da sua atividade na divulgação de outros autores de Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe. Foi ainda coautora do livro Grandes Dúvidas da Língua Portuguesa. O Ciberdúvidas fica-lhe a dever a sua continuação, graças ao papel que teve, conjuntamente com os seus pares da direção da SLP, depois do desaparecimento de João Carreira Bom. In “Ciberdúvidas da Língua Portuguesa”

                          Em memória de Elsa Rodrigues dos Santos (1939 – 2012)

Agradecimento

“É para mim, subida honra, merecer de V. Excelência Senhor Presidente, tão elevada distinção, ao encerrar a missão que desempenhei à frente do Secretariado Executivo da nossa Comunidade dos Países de Língua Portuguesa.

Foram quatro anos de aprendizagem e de descoberta da imensidão e diversidade de riquezas e oportunidades que encerra o conjunto dos nossos países e comunidades. Metade dessa prestação foi exercida sob presidência directa de Portugal e de V. Excelência, não tendo engendrado nenhuma ocasião sem enaltecer a CPLP e o carácter único das relações que unem e animam esta Comunidade.

Pude rejubilar de orgulho e satisfação sempre que acompanhei as intervenções de V. Excelência dedicadas à Política e Relações Internacionais, seja internamente, seja nos fóruns internacionais como o debate da Assembleia Geral das Nações Unidas, no diálogo da Aliança das Civilizações ou na Conferência Ibero Americana.

Exibirei, por isso, esta distinção com a maior alegria e exuberância, pois também representa a distinção que é devida a V. Excelência pela atenção singular que tem devotado aos nossos países e povos.” Domingos Pereira – Guiné Bissau

Discurso do Eng. Domingos Simões Pereira no acto da sua conderação pelo Presidente da República Portuguesa da Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique.  

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Reconhecimento

O Presidente da República Portuguesa Aníbal Cavaco Silva condecorou, com a Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique, o Secretário Executivo cessante da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), Eng. Domingos Simões Pereira, pelo trabalho desenvolvido à frente da organização, entre os anos de 2008 a 2012. Natural de Farim na Guiné Bissau, O Eng. Domingos Simões Pereira é licenciado em Engenharia Civil e Industrial pelo Instituto de Engenharia de Odessa na Ucrânia e Mestre em Ciências da Engenharia Civil pela Universidade Estatal da Califórnia em Fresno.

Segundo notícias recentes o Eng. Domingos Simões Pereira será candidato à presidência do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), tendo já encetado contactos para criar uma base de apoio à sua candidatura, deslocando-se por várias regiões da Guiné Bissau para auscultar o pensamento crítico junto dos militantes do PAIGC. Baía da Lusofonia

terça-feira, 18 de setembro de 2012

Nina

Corre nina
Corre nina, menina prendada
P'ra quem do nada lá vem
Corre nina saia arrebitada
Que bem mimada lá vem
Nem dores nem poemas
Só deseja favores
Das flores de andorinha
Do mar e mais amores
Do chiar da carrinha
Só deseja favores
Corre nina olhar de esperança
Que sem lembrança lá vem
Corre nina menina prendada
P'ra quem do nada lá vem
Corre nina saia arrebitada
Que bem mimada lá vem
Quem for pela vida pelo reino do amor
Quem for ser rainha
Mal que vem favor
Mas que coisa mesquinha
Quem é rei e senhor
Corre nina olhar de esperança
Que sem lembrança lá vem
Moura Portugal – Portugal

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Moçambicanidade

“Na Escola Velha foi onde dei o meu primeiro contacto com a moçambicanidade, com a cultura e literatura daquele chão, daquela casa pátria, pois se em nossa casa familiar cantávamos canções portuguesas: “ ó malhão-malhão, que vida é a sua…”. Ali ouvi os primeiros sons do que é uma língua nacional: “ kuli kuli ka ti nova! Kuli kuli ka ti nova…” (De lá, de lá, onde viemos, em tradução literal). Esta situação levar-me-ia à descoberta da minha situação híbrida, miscigenada, pois a cultura moçambicana, um mosaico composto por 42 línguas nacionais ou maternas, é fermento, palco de diferentes tribos, de diferentes identidades raciais e religiões.

A minha condição urbana propiciou que o português seja hoje a minha língua materna. Com uma população estimada em vinte milhões de habitantes, em Moçambique só 39,6% sabe falar português. Apenas 8,8% da população usa o idioma português em casa. De acordo com o último censo, 80,8% da população urbana sabe falar português, mas esta percentagem desce para apenas 36,3% nas áreas rurais. O que significa que enquanto estamos aqui a tratar de lusofonia um grosso número de habitantes certamente nunca ouviu falar de lusofonia.

Também é importante que o saibam, para contextualizar, que 72 por cento de moçambicanos são analfabetos e 54 por cento  navega na pobreza absoluta. Este cenário ilucida que a lusofonia é privilégio de muito poucos. À pequena elite urbana, se impõe o exercício quase titânico de esclarecer o vínculo que faz de nós lusófonos, congregados à comunidade de língua portuguesa.

Na falta de recursos e meios, o denominador comum dos moçambicanos, o que une os moçambicanos, se me permitem, ainda não é a língua portuguesa. É a dança, a música, a poesia, o teatro, o seu mosaico cultural potencialmente adstrito à oralidade. Também a pintura empírica encontrada nos umbrais, nas fachadas das palhotas pelo vasto país, expressa a unicidade na diversidade.

Por outras palavras, se é verdade que um número significativo de cidadãos é espectador da lusofonia, já não o é quanto à sua cultura endógena. Tirando os ritos formais, das comunidades e conferências, a cultura e literatura moçambicanas manifestam-se esporadicamente à volta da fogueira, nos ghetos, nos saraus proverbiais e acústicos transmitidos pelos mais velhos.” Adelino Timóteo - Moçambique

domingo, 16 de setembro de 2012

Amigos

Tenho amigos que não sabem o
quanto são meus amigos.
Não percebem o amor que lhes
devoto e a absoluta
necessidade que tenho deles.
A amizade é um sentimento mais
nobre do que o amor,
eis que permite que o objeto dela
se divida em outros afetos,
enquanto o amor tem intrínseco o ciúme,
que não admite a rivalidade.
E eu poderia suportar,
embora não sem dor,
que tivessem morrido todos os
meus amores, mas enlouqueceria
se morressem todos os meus amigos!

Até mesmo aqueles que não percebem
o quanto são meus amigos e o quanto
minha vida depende de suas existências ....
A alguns deles não procuro, basta-me
saber que eles existem.
Esta mera condição me encoraja a seguir
em frente pela vida.

Mas, porque não os procuro com
assiduidade, não posso lhes dizer o
quanto gosto deles.
Eles não iriam acreditar.
Muitos deles estão ouvindo esta crônica
e não sabem que estão incluídos na
sagrada relação de meus amigos.

Mas é delicioso que eu saiba e sinta
que os adoro, embora não declare e
não os procure.
E às vezes, quando os procuro,
noto que eles não tem
noção de como me são necessários,
de como são indispensáveis
ao meu equilíbrio vital,
porque eles fazem parte
do mundo que eu, tremulamente,
construí e se tornaram alicerces do
meu encanto pela vida.

Se um deles morrer,
eu ficarei torto para um lado.
Se todos eles morrerem, eu desabo!
Por isso é que, sem que eles saibam,
eu rezo pela vida deles.
E me envergonho,
porque essa minha prece é,
em síntese, dirigida ao meu bem estar.
Ela é, talvez, fruto do meu egoísmo.
Por vezes, mergulho em pensamentos
sobre alguns deles.

Quando viajo e fico diante de
lugares maravilhosos, cai-me alguma
lágrima por não estarem junto de mim,
compartilhando daquele prazer ...
Se alguma coisa me consome
e me envelhece é que a
roda furiosa da vida não me permite
ter sempre ao meu lado, morando
comigo, andando comigo,
falando comigo, vivendo comigo,
todos os meus amigos, e,
principalmente os que só desconfiam
ou talvez nunca vão saber
que são meus amigos!

A gente não faz amigos, reconhece-os.

Vinícius de Moraes - Brasil

sábado, 15 de setembro de 2012

Ponte

Brasil e Portugal em águas profundas
                                                   
            Quem acompanha a movimentação de carga geral no mundo sabe que a utilização de contêineres só tende a crescer e não há no horizonte nenhum outro meio de armazenagem e transporte para longa distância que possa agregar tanto valor ao produto manufaturado. Esta é uma constatação que pode fazer facilmente quem observa o crescimento do número de encomendas nos estaleiros mundiais por navios que transportam contêineres.

            Entre esses navios encomendados, a procura, na maioria, é por embarcações com calado superior a 14 metros, o que significa que cada vez mais o comércio internacional marítimo exigirá portos bem instalados à beira do oceano, com grande profundidade, que permitam a entrada e a saída de navios especializados na movimentação de contêineres e granéis. E, obviamente, com equipamentos que possam facilitar a utilização plena de toda a capacidade dos navios. É o que se chama hoje na linguagem técnica um porto ou terminal multipurpose (contêineres, granéis sólidos, carga geral e ro-ro).

            No Brasil, a região de Vitória, no Espírito Santo, é aquela que atende, por sua própria natureza, plenamente às exigências para a criação de um porto de águas profundas, o que constituiria uma grande evolução no transporte marítimo, ampliando as possibilidades de o País aumentar a sua participação no comércio global, hoje limitada a 1% de tudo o que é vendido e comprado no mundo. Sem contar que a localização central desse porto na costa brasileira iria permitir, por meio da intermodalidade, facilidades logísticas para a sua integração com os principais polos econômicos do País.

            Ainda que já existam projetos em Vitória pautados por essa ideia, a verdade é que esse porto carece de instalações que permitam o tráfego de embarcações de maior porte, que, como se sabe, diminuem não só os custos de escala como os de movimentação de carga. 

            Por sua localização, quando se pensa em transporte intercontinental entre a América do Sul e a Europa, não se pode deixar de imaginar que Vitória seria a melhor opção para essa “ponte” imaginária com o porto de Sines, em Portugal, igualmente de águas profundas, com profundidade natural de até 28 metros, já dotado de terminais especializados que permitem o movimento de diferentes tipos de mercadorias.

            Hoje, devido às suas características geofísicas, Sines, localizado a 150 quilômetros de Lisboa, constitui a principal porta de entrada de abastecimento energético de Portugal: gás natural, carvão, petróleo e seus derivados. E está dotado de terminais de granéis líquidos, petroquímico, multipurpose, de gás natural liquefeito e de contêineres (Terminal XXI), que começou a operar em 2004.

            Portanto, está na hora de Brasil e Portugal deixarem de lado a retórica que sempre marcou as relações entre os dois países e partirem para projetos de longo prazo que possam produzir resultados práticos, desenvolvendo uma estratégia mútua de cooperação econômica. E uma “ponte” entre Vitória e Sines seria o melhor exemplo dessa nova era de cooperação sempre anunciada, mas nunca viabilizada. Milton Lourenço – Brasil

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Milton Lourenço é presidente da Fiorde Logística Internacional e diretor do Sindicato dos Comissários de Despachos, Agentes de Cargas e Logística do Estado de São Paulo (Sindicomis) e da Associação Nacional dos Comissários de Despachos, Agentes de Cargas e Logística (ACTC). Site: www.fiorde.com.br E-mail: fiorde@fiorde.com.br