Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

terça-feira, 28 de maio de 2013

Vidas

Muitas vezes pensamos na língua galega como um instrumento que nos abre possibilidades noutros países de fala lusófona, mas raras vezes reparamos em que, para muitas pessoas, o português também é um instrumento para viver na Galiza. Paulo Alexandre é uma dessas pessoas. A sua ferramenta de trabalho é a palavra. Conhecido por fazer monólogos na zona velha de Compostela, também é ator de teatro e televisão. Encontro com ele no bar As Dúas, onde vai atuar numa festa solidária com o seu amigo Paterne, um senegalês multado por não ter “papeis”.

Como chegas a Galiza?

Primeiro estive em Portugal, onde estudei e trabalhei na construção. Ali conheci uma rapariga galega que me convidou a vir para a Galiza trabalhar como um rei. Eh pá! Eu encantado. Mas quando cheguei era para fazer de rei Baltasar.

Num tempo, a rapariga, que era minha namorada, arranjoume um emprego numa granja de porcos. Mais tarde comecei a dedicar-me ao mundo artístico e comecei a trabalhar de servidor, frente ao público. Fiz um curso de teatro no Espazo Aberto de Sam Pedro e comecei a trabalhar com a companhia Cámara Ditea. Mais tarde participei no programa land Rover da TvG fazendo humor e fiz alguma curta-metragem e longa-metragem.

Recentemente terminei um documentário que fala para o Brasil em termos linguísticos: há que reparar em que afinal, um galego, um angolano e um brasileiro entendemo-nos perfeitamente. Há que dar a conhecer a língua galega no mundo porque tem muito a ver com o português igual que o português tem muito a ver com o galego.

É raro ver presença lusófona na TVG

Eu fiz os meus sketches em galego, o público era galego, e todo o mundo me entende perfeitamente.

A situação é complicada para qualquer imigrante e o cenário da cultura também é precário. É mais difícil dedicar-se a isto sendo imigrante?

É. Eu comecei a trabalhar na hotelaria, Compostela é uma cidade universitária e portanto há muito bar. Mas o mundo artístico nom é fácil para um imigrante. Tive sorte com determinadas coisinhas que fui fazendo, vou enviando os meus currículos a produtoras, mas nom é fácil.

Como se faz humor em Angola? Em Galiza temos a retranca.

Há determinadas expressões que nos custa entender aos imigrantes. Atendendo à vossa cultura, por razões históricas, os galegos são muito desconfiados e por isso tenhem a retranca. Existe essa realidade cultural fruto dessa história, mas a nós toca-nos outra.

Muda muito a maneira de fazer humor em Angola?

É um bocado diferente. vai um exemplo: Na década de 80 e 90, a juventude angolana começou a emigrar para Portugal e a maioria trabalhava na construção. Na hora de comer -que nós chamamos “almoço” e aqui é o contrário, o nosso almoço é o “jantar”- havia umha separação: os angolanos de uma banda e os portugueses da outra. Que é o que aconteceu? Um dos portugueses, enquanto comiam a sopa, viu um angolano a comer a carne, mas também o osso da carne. o português foi preguntar ao angolano: “Se tu aqui estás a comer os ossos da carne, lá na Angola, que é o que comem os cães?”. o angolano, após olhar os portugueses, respondeu: “lá na Angola os cães comem sopa”.

Além do português, em Angola falam-se mais línguas?

No meu país há entre oito línguas nacionais. Mas a língua oficializada é o português. Eu falando português estando na Galiza, torna-me mais doada a comunicação. Fum criado em português.

No norte de angola falam kimbundu, no sul falam umbundu, e em vários pontos de Angola falam-se outras línguas que tenho que confessar que não sei porque emigrei logo para Portugal, depois para a França, para o Brasil e, por último, para aqui.

Que status crês que deveriam ter todas essas línguas?

Acho que, como acontece na Galiza, que dá a conhecer a língua galega no mundo, no meu país as línguas nacionais deveriam ser reconhecidas e também dar-se a conhecer, porque som línguas nacionais e isso está bem conservá-lo. os portugueses levaram a igreja católica para Angola e colonizaram-nos com a sua língua, mas as línguas verdadeiras de Angola som o kimbundu e o umbundu, entre outras. o português é uma língua implantada. Em termos de comunicação estamos contentes, podo viver na Galiza falando português e sou perfeitamente entendido.

Quando vou almoçar às casas dos meus amigos na aldeia, as suas avós, após servirem a comida, sempre perguntam: “Paulo, queres um pouco de molho?”. Nós em Angola falamos “molho”, na Galiza falam “molho” as avós, mas as novas gerações empregam o castelhano “salsa”. isso não é galego. Encanta-me ouvir as avós porque falam um galego mais parecido ao português de Angola.

A gente gosta mais da tua forma de falar quando fazes um monólogo?

A gente gosta mais quando falo português, que tem mais a ver com o galego antigo. Estamos na Galiza e a gente está contente de ouvir galego numa pessoa de fora como eu. Muita gente fica surpreendida de que um imigrante fale galego! Raul Rios – Galiza in “Novas da Galiza”


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