Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

sábado, 10 de agosto de 2013

Crónica

 
Acerca do cerco aos aposentados da Função Pública
 
Tenho ouvido e lido nos últimos dias apontamentos diversos, por vezes contraditórios, sobre o que se prepara para o cerco aos aposentados da Função Pública. E todos os dias surge um novo pormenor. É a prática usual: lançar primeiro o pânico e a confusão, e depois aliviar um pouco o garrote e deixar o aposentado mais aliviado (ainda podia ser pior...), contudo sempre “lixado”.
 
Ontem foram anunciadas nas TV’s as excepções à redução dos 10% (média aritmética? Abaixo dos 600 Euros nada e daí para cima será progressivo? Chegará aos 50%? Não se sabe. É preciso criar o pânico. Afinal só chegará no máximo aos 30%, ouviremos ainda dizer. Uf!, que alívio, podia ser pior...). Acima dos 95 anos não haverá penalização, Deo gratias!, diremos lá de cima.
 
Dizia-se ontem que segundo a proposta do governo a redução não se aplicará nem aos juízes (Tribunal Constitucional na linha de mira?) nem aos militares (pois, foram eles que fizeram o 25, não vá o diabo tecê-las).
 
Mas hoje já se incluiram também os aposentados da Caixa Geral de Depósitos, propriedade do Estado (que para o efeito dependerão do Banco Central Europeu onde as regras são outras, embora paredes meias com os homens da Troika que protagonizam a operação de “convergência” com as reformas da Segurança Social), e também os políticos, incluindo os deputados e os autarcas, com pensões vitalícias após escassos 12 anos de actividade. E o que mais estará para vir.
 
Diz o povo com razão, que “é quem mais ordena” como acreditavam os líricos, que “quem se lixa é o mexilhão”.
 
Há poucos dias ouvi e vi na televisão um senhor que participou e contribuiu para o famigerado memorando de entendimento, que não é um jovem inexperiente como os que povoam o actual governo e que até já foi Ministro das Finanças, afirmar, em resposta a uma pergunta da entrevistadora sobre se os contratos firmados com os funcionários públicos não deveriam ser respeitados à semelhança do que está a acontecer com os contratos com a banca, que na opinião de um seu amigo, um conceituado jurista, os contratos têm que ser respeitados como determina o direito internacional, enquanto as normas que regem o funcionalismo público não são contratos, mas consequência de simples legislação que pode ser alterada em qualquer momento.
 
Quando frequentei o Liceu, no tempo do “fascismo”, havia uma disciplina no 6º e 7º anos intitulada “Organização Política e Administrativa da Nação”. Já nessa altura lá se ensinava que um dos princípios básicos que devia presidir à feitura das leis era a sua “não rectroactividade”. Ainda hoje ouvi também um erudito comentador, dos muitos que povoam agora as nossas televisões, dizer que os princípios da confiança e da não rectroactividade das leis são a base, em regime democrático, de um qualquer Estado de Direito. Em que ficamos? Fico com dúvidas: Em que tipo de regime vivemos afinal?
 
Não vejo, por exemplo ninguém advogar, para a “convergência” das pensões (processo que parece inevitável), pormenores ignorados pelos proponentes, como seja ser tomado em consideração, por uma questão de justiça, o número de anos de serviço efectivo prestado ao Estado e respectivos descontos efectuados. É que 47 anos de serviço público, aos 70 de idade, quando o Estado obrigatoriamente “manda embora” um funcionário, não são exactamente a mesma coisa que 36 anos normais, ou menos do que isso nos numerosos  casos de aposentações antecipadas e no verdadeiro escândalo das pensões vitalícias de políticos e autarcas com uma dúzia de anos de serviço, ou de gestores de empresas públicas com pensões de largos milhares de Euros após alguns meses de passagem pelas instituições.
 
E já agora talvez fosse a altura indicada para ser reposto o Complemento Especial de Pensão (CEP), a pagar aos militares que deram anos da sua juventude na guerra do Ultramar, aquando da aposentação, legislado por um governo e alterado pelo governo seguinte, com efeitos rectroactivos como agora é prática corrente.
 
Em Fevereiro de 2002 foi publicada a Lei nº 9/2002, visando regular o regime jurídico dos períodos de prestação de serviço militar de ex-combatentes, para efeitos de aposentação ou reforma.
 
Requeri a contagem do tempo de serviço militar para efeitos de aposentação, como determinava a Lei, e quase três anos depois, em Dezembro de 2004, recebi uma carta assinada por dois ministros, o Ministro de Estado e da Defesa Nacional e dos Assuntos do Mar, Paulo Portas, agora Vice-Primeiro Ministro e o Ministro das Finanças e da Administração Pública, António Bagão Félix, em que, dirigindo-se ao «Caro Antigo Combatente», me explicavam:
 
«Este é o primeiro grande esforço do Estado para reconhecer os mais de 400 000 Antigos Combatentes que serviram a Pátria em condições especiais de dificuldade ou perigo», e me informavam ter sido «reconhecido, para efeitos de aposentação, o tempo de serviço militar prestado no Ultramar, incluindo o tempo de bonificação, que totaliza 3 anos e 6 meses.»
 
E mais:
 
«Saiba ainda que, quando se aposentar, tem direito a que lhe seja atribuído, todos os anos o Complemento Especial de Pensão, calculado de acordo com a contagem do tempo de bonificação do serviço militar prestado. Este complemento é transmissível integralmente ao cônjuge sobrevivo, pensionista de sobrevivência
(As palavras a cheio estão conforme o ofício)
 
O Complemento de Pensão seria uns escassos 12,50 Euros mensais, pagos de uma só vez no mês de Novembro de cada ano.
 
Aposentado que fui, nunca recebi daí nem um único cêntimo. Fui à CGA e deram-me um papel verde com muitas palavras, frente e verso, e explicaram-se que no meu caso não tinha afinal direito a nada.
 
Como diria a minha avozinha transmontana, se fosse viva, BERDAMBUM!
 
Sou ainda dos que acreditam que o povo acordará um dia da modorra em que o mergulharam.
 
Aguardo pacientemente a tomada de posição de cada um dos partidos sobre esta matéria para decidir se votarei em alguém nas próximas eleições autárquicas. Walter Marques – Portugal
 
Walter Anatole Marques - Assessor Principal da Função Pública (AP), Eng.º Electrotécnico (IST), Alf. Milº Infª em Moçambique - 1965 a 1967


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