Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Moçambique – Hosten Yassine Ali

Escritor moçambicano distinguido em Portugal e no Brasil

Chama-se Hosten Yassine Ali. Ingressou de forma singular no mundo da literatura. Em 2013, publicou o romance Madalena e o livro de crónicas Kurhula, crónicas da cidade de Maputo, obras que escreveu e publicou, em Portugal, sob a estampa das Edições Esgotadas, quando se encontrava a estudar na Escola Naval Portuguesa com o estatuto de aluno bolseiro do Ministério da Defesa Nacional, de onde saiu com o grau de Mestre em Ciências Militares Navais. Com estas obras, o autor teve o condão de vencer duas distinções, a primeira na categoria de “Autor Revelação” pelo “Círculo de Escritores Moçambicanos na Diáspora” (CEMD), a segunda um Reconhecimento de Mérito pela “Ordem dos Escritores Brasileiros”. O Debate conversou com o autor sobre estas distinções.

Há meses, foi distinguido em Portugal com a categoria “Autor Revelação” e no Brasil com um Reconhecimento de Mérito. Fale-nos um pouco do processo que o conduziu a estas distinções.

Estes não foram concursos no sentido rigoroso da palavra. São distinções que o Círculo dos Escritores na Diáspora e a Ordem dos Escritores Brasileiros dão aos escritores lusófonos, baseando-se na observação da sua qualidade de produção e estilo de vida, isto é, buscam as pessoas de acordo com os padrões que eles procuram e, depois, distinguem.

O CEMD tem condecorado escritores de muita idade e muita experiência na Literatura.

O (CEMD) é um grupo fundado por moçambicanos, mas também aberto a escritores lusófonos e é presidido, neste momento, pelo escritor moçambicano Delmar Maia Gonçalves. É um grupo de pessoas que trabalha em torno dos grandes objectos ao nível da literatura lusófona. Das diversas actividades que esta organização faz, destaca-se a organização de encontros de escritores moçambicanos e lusófonos, em geral, na diáspora.

O meu primeiro contacto com esta agremiação (CEMD) foi em Outubro de 2013, após o lançamento do livro Madalena. O Círculo dos Escritores Moçambicanos na Diáspora convidou-me para uma tertúlia na Loja de Gatafunhos, em Lisboa. Estavam lá presentes muitos convidados que iam apreciar as actividades levadas a cabo pelo CEMD. Foi nessa ocasião que a organização teve a oportunidade de conhecer o meu historial de vida, bem como o meu percurso como escritor. Depois de contar aquela história eu desapareci de Lisboa.

O CEMD tem condecorado escritores portugueses, moçambicanos, angolanos e cabo-verdianos de muita idade e muita experiência na Literatura. Um dos exemplos é a Fernanda Angius, Doutorada em Literatura, que neste momento se encontra a leccionar na Universidade Eduardo Mondlane (UEM) e que preside o projecto “Oficina do Poeta” do Instituto Camões, onde dá aulas de Literatura a título gratuito.

Isto para dizer que, para se chegar à minha eleição como “Autor Revelação”  2014 e à respectiva condecoração obedeceu-se a certos critérios como a qualidade dos livros, a dimensão dos projetos que fui fazendo ao longo do tempo em torno da literatura e o estilo de vida que levo, socialmente.

A cerimónia da homenagem foi feita na Fundação José Saramago. Não estive presente no acto, alguém recebeu o prémio em meu nome da mão da embaixadora de Moçambique em Portugal e dos membros do Conselho de Estado que se encontram a trabalhar em Portugal.

Pela Ordem dos Escritores Brasileiros recebi um Reconhecimento de Mérito. Infelizmente, não tenho em mão o diploma que me atribuíram, não o pude ir buscar porque tinha que assumir uma pasta de Tenente no Ministério da Defesa e, por essa razão, não podia ausentar-me sem autorização do Ministro da Defesa.

Qual foi o valor monetário ou insígnia que recebeu?

Recebi uma insígnia acompanhada de um certificado. Mas devo dizer que antes desta distinção já gozava do título de sócio honorário que me foi atribuído no ano passado por esta organização.

Quantos autores foram submetidos a avaliação?

Não posso, neste momento, precisar o número de pessoas, o que me pareceu é que mais de 30 escritores foram avaliados.

Foram também condecorados outros escritores moçambicanos…

O único caso de um escritor moçambicano que conheço é a poetisa Sónia Sultuane que foi distinguida numa categoria que, neste momento, não sei dizer qual é.

 Madalena e Kurhula venderam a sua imagem…
 
 Um aspecto que me chama a atenção em relação à minha produção é que ela tende a ganhar maior projecção fora do país, sobretudo nos países de expressão portuguesa. Os meus livros foram difundidos em todos os países lusófonos. Madalena vendeu muito no Brasil e, neste momento, encontra-se em Dili, Timor Leste. Recentemente, vi uma reportagem da RTP com o meu livro presente numa praça pública em Timor Leste. São estas aparições que chamaram a atenção do círculo de escritores.

Como moçambicano e, sobretudo, como jovem que ainda está a começar, que significado traz esta distinção?

É bem-vinda. É para mim motivo de muito orgulho, sobretudo se considerarmos que Moçambique é um país com cerca de 22 milhões de habitantes e que, dentro deste universo, existem milhares de pessoas que produzem Literatura. Umas com mais oportunidades de publicar, com limitações, outras. Todos ansiando uma distinção do género.

O facto de ter sido eu a pessoa escolhida significa que as minhas obras traduzem um esforço enorme que as pessoas reconhecem e gostam. Quando digo às pessoas que ganhei uma distinção literária logo me perguntam quanto dinheiro ganhei. Esquecem-se de que, por detrás do valor monetário, há coisas que nos marcam para sempre. E o que este prémio me traz é o orgulho de saber que o que eu faço é recebido pela sociedade. Quando um artista faz uma música espera que a sociedade dance. Se escrevi um livro espero, naturalmente, que a sociedade o leia e aprenda alguma coisa.

Como navegador, o número de pessoas que me conhecem é muito limitado, como escritor o meu público é enorme.

O Sr. Hosten é escritor e, também, funcionário do Estado no Ministério da Defesa de Moçambique. Como se define?

É uma penumbra muito grande. Eu dizia numa entrevista que a pessoa não pode lançar um livro e mudar de estatuto. Isso é estupidez. Não é razoável um escritor desejar que a sociedade, a partir do momento em que ele se sagra como tal, o tire da camada onde ele estava para colocá-lo numa outra. O facto de ter lançado dois livros e ter merecido uma distinção não me retira as responsablidades e as relações sociais que construí ao longo da vida. Continuo comprometido com o meu emprego e com as minhas áreas sociais.  Em momento nenhum deixarei de me comunicar ou brincar com as pessoas, meus amigos. Sinto-me um cidadão socialmente integrado e sem preconceitos.

O que parece é que está a caminhar a passos largos para a escrita e tudo indica que, em algum momento, o escritor vai ofuscar o funcionário do Estado…

Quero acreditar que diz isso porque me conhece mais do lado artístico. Mas há uma interacção muito grande entre a minha carreira artística e a carreira profissional porque sei equilibrar as duas partes. Quem acompanha a minha vida como navegador esquece completamente que escrevo livros. Na travessia Maputo-Catembe, nas sextas-feiras ou quartas-feiras de manhã, é normal me ver aí no meio do mar, a entrar e a sair com a embarcação. É normal que, por ser artista, a sociedade me identifique como artista. Mas para casos de interesses especiais as pessoas transcendem o lado de artista e procuram saber o que faço socialmente.

Mas concorda comigo quando digo que o lado de escritor tem maior visibilidade? Mia Couto, por exemplo, é escritor e também director da Impacto, mas o que o identifica, efectivamente, é o lado de escritor…

Sim. Por exemplo, como profissional, navegador dentro de uma instituição, tenho um número limitado de pessoas que me conhecem. Como escritor, o meu público é enorme. O que estou a chamar a atenção é que isso não se pode ver em termos de ser positivo ou negativo. É normal que, por ser escritor, a sociedade me identifique como artista. Mas há quem transcenda esse lado de escritor e procure saber o outro lado da minha vida, o que faço. Aliás, quando estou nas lides literárias, as pessoas me tratam como Escritor Oficial da Marinha, ou seja, juntam as duas coisas… Sou artista, tenho uma carreira profissional, dificilmente consigo controlar o impacto causado pelas minhas obras e o impacto que a minha carreira profissional causa. Isso é a sociedade que o separa.

O cantor não pode fazer uma música e esperar que faça o futuro.

Se, em algum momento, se sentir forçado a abandonar o lado profissional e a dedicar-se à escrita, ou vice-versa, o que escolheria? O escritor tem um capital de cidadania mais elevado do que um simples funcionário do Estado…

Certamente ficará surpreendido com a minha resposta, mas eu optaria por seguir a minha carreira profissional. Tenho em mim que as pessoas devem aprender a não fingir serem estritamente artistas… Mesmo nos países mais avançados, que respeitam a arte, o músico é também médico. A música é algo que lhe vai na alma e a medicina algo de que precisa para sobreviver. No meu caso, a navegação é aquilo que garante o meu pão de cada dia e o meu futuro, ao passo que a escrita satisfaz o meu desejo interior.

Nas redes sociais (facebook) costumo dizer que o cantor não pode fazer uma música e esperar que o faça o futuro. Por vezes, sinto que nós, os artistas, estamos divididos entre alimentar o estômago e alimentar o espírito. Tudo gira em torno da sobrevivência e do reconhecimento. E como a sobrevivência é o lado que mais conta, o lado do gosto é relegado para segundo plano, razão pela qual um escritor lança um livro e fica 7 anos para lançar outro.

Não é recomendável, quanto a mim, que um escritor viva do livro…

Por outras palavras, estás a dizer que a escrita não dá dinheiro…

Pergunta a uma dúzia de autores moçambicanos. Não se enriquece na escrita. Há, naturalmente, excepções de pessoas que lançam um livro e conseguem vender mais de 20 mil cópias. Dan Brown, por exemplo. A pergunta é se isso é possível em Moçambique, onde o preço de um livro aqui na praça é, em média, metade do salário mínimo.

A seu ver, que devia ser feito para que o escritor seja capaz de viver sossegado com o que ganha com a venda dos seus livros…

Não é recomendável, quanto a mim, que um escritor viva do livro porque o artista ver-se-ia forçado a investir na quantidade de produção e estaríamos a perder em termos de qualidade. Agora, se pudesse que vivesse.

Nós não temos políticas de distribuição de livros devidamente aplicadas neste momento…

Que entende das políticas de divulgação de livros?

Nós não temos políticas de distribuição de livros devidamente aplicadas neste momento, não conseguimos controlar os impostos que vêm através da venda dos livros. Isso resulta em fenómenos como a venda de livros no mercado informal (passeios).

Deveria haver motivação aos escritores e dos escritores. Aos escritores no sentido de que as instituições competentes deveriam criar mecanismos para motivarem os escritores a escreverem mais. Dos escritores no sentido de que os escritores seniores deviam interagir com os escritores mais novos através de tertúlias, de modo a fazer a passagem de valores. Quando isso acontecer, os escritores estarão em condições de, com o rendimento dos seus livros, pagar o imposto ao Estado e ainda sobrar algum dinheiro para passar alguns dias na praia de Bilene.

Uma grande característica da crítica construtiva é a justiça…

Ser escritor exige liberdade intelectual e de consciência. Sente que tem essa liberdade de consciência para criticar, sobretudo quando o infractor é o Estado, o seu patrão? Não estará a servir a dois “amos”?

Em algum momento, fala-se em liberdade intelectual. Mas liberdade intelectual não é libertinagem de expressão, é preciso respeitar os limites. A liberdade intelectual é acompanhada da responsabilidade. Se nós escrevemos uma crítica social temos que tratar com responsabilidade Uma grande característica da crítica construtiva é a justiça. Tem que ser justa para que as pessoas se possam identificar com ela. Temos que apontar o mal quando esse mal prejudica a maioria. Cabe à sociedade decidir se o que você diz tem impacto positivo ou não. O que não tem impacto positivo a sociedade ignora e o que o tem a sociedade recebe. Como escritor tenho que saber lidar com o impacto que isso provoca.

Da parte do Governo nunca recebi nenhuma reacção, assim, de forma clara.

Da parte do Governo nunca recebeu nenhuma reacção por causa dos seus livros…

Da parte do Governo nunca recebi nenhuma reacção, assim, de forma clara. Nunca critico directamente individualidades na comunicação social. Quando o faço é nas redes sociais e quando tenho uma relação muito próxima com a pessoa que critico. Eu lanço um livro em que critico o Estado por aquilo que ele faz ou deixa de fazer, com todos os artifícios literários que a literatura oferece, a crítica fica estampada sob a alçada literária. Posso dizer, por exemplo, que no meu país estradas são buracos e buracos são estradas. Mas se, em nenhum momento, eu tiver metido a palavra “Governo”, a frase é entendida simplesmente como construção ficcional. In “Debatemoz” - Moçambique

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