Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Angola – O direito à manifestação

O direito à manifestação tem sido bárbara e sistematicamente reprimido em Angola, violando, assim, um dos preceitos constitucionais que mais dá forma e substância à democracia e aos regimes democráticos.

Temos assistido a uma muito ridícula cobertura mediática das manifestações públicas, sempre que sejam protagonizadas por sectores ligados, directa ou indirectamente, ao poder. Temos também assistido à diabolização – por vezes, antecipada - daquelas manifestações inspiradas por sectores ligados às oposições, ou então, por jovens contestatários sem partido, activistas cívicos assumidamente críticos do poder actual.

Não poucas vezes, a mídia estatal alerta a sociedade contra supostas “intenções de agentes provocadores, movidos por uma perigosa vontade de desestabilizar o nosso país, semeando o caos”. Logo de imediato, são “accionados” os analistas e os comentaristas do costume, assim como figuras públicas de variados estratos sociais e diversas vocações profissionais que emprestam, alegremente, o seu testemunho, numa maratona de depoimentos acusatórios. Fazem questão da dar pois, a ideia de que a pátria está em perigo de colapsar, de se mergulhar o país num abismo infindável.

A dissuasão às manifestações tem sido acompanhada de uma onda de repressão sem precedentes. A cada nova vez, ela aumenta de tom e, também, de sofisticação.

De início, os manifestantes (ou putativos manifestantes) eram previamente molestados nas suas casas. E os que escapassem a essa moléstia prévia, sovados no espaço público escolhido (ou nos seus arredores). Agora a moda passou a ser “despejá-los” a dezenas de quilómetros de distância, em locais ermos ou mesmo perigosos. As redes sociais estão cada vez mais pejadas de imagens de jovens feridos, arrastados por indivíduos fardados ou à paisana, numa verdadeira orgia de sangue.

A última acção repressiva abateu-se sobre 3 jovens contestatários, sendo um deles uma jovem rapariga, estudante universitária, de nome Laurinda Manuel Gouveia, cujo depoimento têm chocado a opinião pública, pela agressividade com que foi molestada.

A jovem Laurinda Manuel Gouveia não só relatou ao pormenor o sucedido, como também identificou parte dos agressores. Quer então dizer que não se trata de gente estranha e de difícil localização. Os seus agressores são pessoas físicas perfeitamente identificáveis.

Se as autoridades quisessem responsabilizá-los pelo acto bárbaro cometido, facilmente o fariam. E, inclusive, teriam provas bastantes do modo selvagem como eles agrediram a jovem Laurinda Manuel Gouveia. Para isso, bastava visionarem os registos que os próprios fizeram. A vítima declarou, inclusive, que alguns deles estariam munidos de câmaras de filmagem, tendo registado as cerca de 2 horas que durou a agressão.

A inacção das autoridades policiais e políticas só pode ser assumida como um silêncio cúmplice. Logo, concordam. Não há outra forma de o ver. Num verdadeiro Estado de Direito Democrático, a Procuradoria-Geral da República entraria imediatamente em campo, apurando as responsabilidades que levariam à punição dos infractores.

Também não se ouviu qualquer repúdio público e inequívoco por parte do partido político que assume a governação do país. Continua a manter um silêncio ensurdecedor, o que demonstra a sua insensibilidade quando se trata de vítimas que não são seus apoiantes declarados.

Estamos, sim, a caminhar por um trilho perigoso, dando livre curso a agentes policiais que agem sem limites, violando os direitos mais elementares dos cidadãos.

O direito à manifestação tem que ser garantido e protegido, independentemente das opções políticas de cada um. E isso deve ser feito sem equívocos, sob pena de virmos a pôr também em causa outros direitos igualmente plasmados na nossa Constituição.

O uso do direito de expressão e de manifestação permite avaliar o sentimento das pessoas, da sociedade. Entre dois actos eleitorais, a sociedade que legitimou um determinado poder deve possuir diversas formas de expressão da sua vontade. A manifestação pública é uma delas e não pode ser negligenciada, pois é uma forma de evidenciar a dinâmica social.

Um regime que não aceita ouvir vozes discordantes, de modo algum é democrático. Quem tenta circunscrever o regime democrático ao sistema multipartidário, está a estimular a busca de soluções violentas para as transformações políticas. Eu, pessoalmente, penso que esse não é o caminho certo. Pinto de Andrade - Angola

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