Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Internacional - Canais do Panamá, da Nicarágua, Mariel e a futura geopolítica latino-americana

Mudanças no panorama internacional, como a força dos Brics, encontrarão impulso regional nas possibilidades abertas pelo porto de Mariel e pela construção do canal fora dos domínios dos EUA

Bastaria a normalização das relações diplomáticas entre Cuba e os Estados Unidos, apontando para o fim do bloqueio, para que se mexessem as peças do tabuleiro comercial e geopolítico na região, com o porto de Mariel passando a ser um posto estratégico. De tentativa de romper o bloqueio, Mariel se tornará beneficiária das novas ondas de comércio no mundo, que incluem a China e o Brasil como seus agentes mais importantes.

Porém, outros movimentos agitam um novo desenho da geopolítica mundial na região. O canal do Panamá mudou a configuração do mundo, quando foi inaugurado há pouco mais de um século. Os Estados Unidos retomaram o projeto fracassado e falido da França de construir o canal e fechou-se uma etapa do comércio mundial, abrindo-se outra.

Antes do canal do Panamá todo o comércio e a circulação de navios entre o Atlântico e o Pacífico tinham de ser feitos pelo Polo Sul, com tudo o que representava em gastos de tempo e de recursos. Assim que assumiu o projeto do canal, os Estados Unidos induziram à separação do Panamá da Colômbia. Deste movimento nasceu um canal que tem um país e não um país que tem um canal, como se costuma dizer, sob a tutela norte-americana, que fez da zona do canal um território seu, mediante um tratado imposto por cem anos.

Dessa forma surgiu o que os panamenhos chamam de "esquina do mundo" a única via de comunicação entre os dois oceanos mais importantes do planeta, ligando suas regiões economicamente mais relevantes.

Embora os EUA demonstrassem disposição de fazer como faz até hoje com Guantánamo – que depois de se apropriarem do território por mais de cem anos, não o devolveu para Cuba –, o líder nacionalista panamenho Omar Torrijos exigiu o cumprimento do acordo e conseguiu que o canal ficasse sob custódia do governo do Panamá. Porém, os EUA continuam a ser os controladores da zona e do seu papel estratégico no mundo.

Conforme o comércio marítimo foi aumentando, assim como o tamanho dos navios, o próprio canal de Panamá foi se mostrando insuficiente para dar conta das comunicações por mar entre os dois oceanos. Há cerca de quatro anos o Panamá aprovou – em referendo nacional – um projeto, praticamente, da construção de um outro canal, que deve ser inaugurado no primeiro semestre de 2015.

Paralelamente porém, está em curso um projeto ainda mais ambicioso em termos de comunicação marítima e de redesenho geopolítico: a construção de uma nova ligação entre o Pacífico e o Atlântico, na Nicarágua. A ideia é acalentada há muito tempo, pela própria configuração geográfica da Nicarágua, um país com grandes lagos, que podem ser aproveitados para a passagem de grandes navios e que, finalmente, começa a ser construído.

A responsabilidade pela construção e o financiamento é de um milionário chinês e sua empresa de construção. Em pouco tempo o projeto foi elaborado, ficou pronto, teve sua aprovação pelo governo de Daniel Ortega, mas enfrenta dificuldades para ser implementado.

A construção do canal da Nicarágua terá muitas consequências, a começar pela quebra do monopólio do canal do Panamá e da tutela dos Estados Unidos sobre a circulação entre os dois oceanos. Unindo-se ao porto de Mariel, facilitará o comércio que envolve a países em plena expansão de suas influências política e comercial, como a China e o Brasil.

Representaria também a presença chinesa no coração da América Central e do Caribe. As mudanças no panorama internacional, que fizeram dos acordos dos Brics de Fortaleza o mais importante acontecimento político internacional do ano, encontram expressão no plano regional com a inauguração do porto de Mariel e as obras para a construção do canal da Nicarágua.

Porém, se por um lado sua construção mudará o destino da Nicarágua, que passará a ter no canal seu principal instrumento de sobrevivência, com todo o seu movimento, até das outras obras anexas – um novo aeroporto, uma zona de livre comércio, entre outros –, é preciso considerar que movimentos populares de resistência se levantaram contra as consequências da sua construção.

Sem plano sobre os danos ambientais, ainda sem começar as negociações com os cerca de 30 mil camponeses que perderiam suas terras – há apenas o vago aceno por parte do proprietário da empresa construtora e do governo de que as indenizações serão justas –, no momento em que deveria se iniciar a construção do canal, grandes mobilizações nas zonas que serão afetadas, e também na capital, Manágua, produziram enfrentamentos com a polícia e dezenas de presos.

O governo pode seguir enfrentando as mobilizações com a polícia, mas a ocupação por parte de camponeses de territórios onde já deveriam estar começando as obras dificulta concretamente seu início, obrigando o governo a negociações imediatas e difíceis com camponeses que dizem não aceitar indenizações e querer manter suas terras.

Um projeto dessa dimensão e projeção, quando colocado em prática sem as medidas preventivas e compensatórias sobre os efeitos que sua construção produzirá, causa hostilidades, em vez de orgulho. Emir Sader – Brasil in “Rede Brasil Atual”

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