Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

domingo, 10 de maio de 2015

Angola – O Teatro

Desde o público, assiste-se a um triste espectáculo descoordenado, com uma narrativa velha e batida mas que, ainda assim, entretém as multidões. Talvez por ser velha e batida, esta história repete os erros de quem não aprendeu com a História. É uma história de musculados contornos e de imprevisível final. Passando os olhos pelo público, ao qual pertenço, não consigo deixar de reparar nas pessoas que assistem a tudo desde o camarote. Bebem champanhe e riem alto, sacudindo anéis e correntes de pesados metais. Um pouco mais abaixo, nos segundos melhores lugares, um grupo maior de pessoas olha para o palco com olhos de vidro, inexpressíveis e passivos, personificando a melhor definição de neutralidade.

Como se neutraliza uma audiência? Como é que se consegue que o público suspenda o juízo e as emoções? Como se não tivessem pele, como se não tivessem um coração que lhes bate por trás do externo e das costelas, como se não tivessem frio, nem calor, nem vontade de esticar os lábios num sorriso ou algum impulso de amarrotar a testa em espanto e horror. Como se não estivessem lá. Talvez nem queiram estar. Talvez não queiram ver. Mas como o saberemos?

O espectáculo continua. Sinceramente, não se entende a intenção do encenador e chega a parecer que os actores se enganaram no texto. Ou talvez seja uma obra demasiado contemporânea, onde o tempo cronológico não se respeita ou não é necessária uma coerência maior, como mandavam os gregos. “Talvez os actores estejam a improvisar”, pensei naquele momento. Pode ser que não haja um guião escrito.

Se assim for, quero o meu dinheiro de volta. Não gosto destas modernices. Prefiro apreciar uma história bem contada, que me leve a reflectir sobre a vida, sobre a morte, sobre a justiça, sobre a ganância, sobre o poder, sobre a derrota, sobre a esperança. Gosto de ouvir a voz do guionista no meu ouvido, resumindo a voz colectiva. Gosto de ver a máquina do teatro a funcionar, bem oleada, sem travões nem solavancos. Não gosto de maus espectáculos. Apetece-me sair.

Mas o público parece estar entretido, ainda mal o segundo acto começou. E, digo-vos, aquela bancada continua petrificada, quase sem respirar, observando o desenrolar das cenas. Tenho a sensação de que algo de trágico se passa no palco. Mas por vezes o tom irónico dos protagonistas engana-me o entendimento. Não se sabe quem diz a verdade e quem mente descaradamente e isso, levado ao extremo, é profundamente incómodo para quem assiste.

Pergunto-me se a plateia de pedra irá aplaudir no final. Os dos camarotes seguramente que sim. Levantar-se-ão como uma kalemba de Janeiro, devorando com sonoros aplausos o que encontrarem à frente, como que querendo estar no palco principal, sob as luzes quentes da ribalta. Mas e os que estão mesmo em baixo deles, os tais dos olhos de vidro, cuja percepção é impossível decifrar? Será que aplaudem? Deixarão a sala mais cedo em tom de reprovação? Ou aplaudirão, elegante e educadamente, agradecendo o bilhete oferecido? Sim. Porque estes, seguramente, não tiveram que pagar bilhete para estar aqui. Entraram de graça.

Esqueci-me de vos descrever o resto da sala. O resto do público, uma imensa multidão, amontoa-se em reboliço na plateia popular e de visibilidade reduzida. Alguns tiveram que fazer um grande esforço para pagar o bilhete e não deixam de manifestar o seu descontentamento por não conseguirem entender a história, demasiado contemporânea para o seu gosto. Além disso, é mesmo difícil ver o que se passa no meio do palco. Não sei se é das luzes ou da má acústica da sala. Péssima produção, devo dizer.

Continuo a pensar que quero o meu dinheiro de volta. Seria bom poder estar noutro lugar a não ter que fazer parte deste triste acontecimento. Mas é completamente impossível escapar. Estou aqui sentada, na fila E, cadeira 9. Daqui até se vê bem e o meu lugar é confortável. Podia até adormecer, se quisesse. Mas não posso. Este espectáculo não me deixa dormir. Mas também não consigo abandonar a sala. Aline Frazão – Angola in “RedeAngola”


Ah! Esqueci-me só de falar dos que ficaram lá fora. Era um mar de gente.

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