Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

segunda-feira, 31 de agosto de 2015

Adelto Gonçalves - Uma carreira dedicada às palavras

Com um novo romance a caminho, o jornalista e escritor Adelto Gonçalves encerra a carreira como professor
                                                                                                              

O jornalista e escritor Adelto Gonçalves traçou uma carreira exemplar. Atuou no campo acadêmico como professor universitário nos cursos de Jornalismo, Publicidade e Propaganda e Direito e, como jornalista, teve passagens pelos jornais Cidade Santos e A Tribuna, na editoria de esportes de ambos e no Estado de S. Paulo, onde foi subeditor de política.

Por meio do jornalismo, conheceu mais de 30 países e foi correspondente internacional da revista Época em Lisboa, onde escreveu uma série de reportagens sobre as comemorações dos 500 anos do descobrimento do Brasil. Como escritor, recebeu menção honrosa com o livro Os vira-latas da madrugada, em 1980. No ano seguinte, a editora José Olympio publicou o livro, que teve bastante repercussão na imprensa.

Na época, a Folha de S.Paulo publicou resenha do professor Cláudio  Lembo, que viria a ser governador do Estado anos mais tarde. A obra se destaca, pois é uma das poucas que, dentro do gênero de ficção, têm o golpe militar de 1964 como pano de fundo.

Após 34 anos, o livro ganhou uma segunda edição pela Associação Cultural Letra Selvagem, de Taubaté-SP, com capa e ilustrações do artista plástico Ênio Squeff. O livro traz um acréscimo, o prefácio escrito pelo jornalista Marcos Faerman, que chegou a ser impresso na primeira edição, mas que foi arrancado página a página por pressões de “forças ocultas”, já que, à época, a editora estava sob intervenção, conta o jornalista. Abaixo, a íntegra da entrevista.

Primeira Impressão - Como o jornalismo influenciou na preparação dos seus livros?

Adelto Gonçalves – O jornalismo me ajudou a depurar o texto. Quando fiz mestrado em Letras na USP em 1988, já era jornalista bastante experiente, com livros publicados. À época, procurei o professor Mario Miguel González, da USP, e deixei com ele um portfólio de resenhas de livros de autores hispanoamericanos que já havia publicado. E ele me disse que não precisava de mais nada para começar o curso de mestrado.

PI - Você recebeu diversos prêmios por seu trabalho como escritor. Existe algum que deixou uma recordação especial?

AG – A menção honrosa que ganhei do Prêmio de Romance José Lins do Rego, da Livraria José Olympio Editora, do Rio de Janeiro, em 1980, com o livro Os vira-latas da madrugada. Eu nunca mais havia relido o livro, o que fiz só agora para acompanhar a revisão para a segunda edição. Fui tentado a reescrever algumas passagens, corrigir alguns pequenos erros de gramática ou mesmo retirar algumas expressões em nome do ideal do politicamente correto de hoje, mas, por fim, optei por deixá-lo praticamente como apareceu em 1981, mantendo o tom coloquial e "espontâneo" da narrativa, que mais se aproxima da naturalidade das personagens do beira-cais.

PI - Qual sua inspiração para escrever?

AG – Como intelectual, tenho duas facetas: como ficcionista, estreei com o livro de contos Mariela Morta, em 1977, em edição de autor. Além de Os vira-latas da madrugada, publiquei o romance Barcelona Brasileira, que saiu primeiro em Portugal pela editora Nova Arrancada, em 1999, e depois, em 2002, pela Publisher Brasil, de São Paulo. O livro saiu primeiro em Portugal porque, em 1997, quando publiquei Fernando Pessoa: a voz de Deus, livro de artigos e ensaios, pela Editora da Unisanta, o ex-embaixador do Brasil em Portugal, José Aparecido de Oliveira, enviou um exemplar para Dário Moreira de Castro Alves, outro ex-embaixador brasileiro em Lisboa, que, à época, estava escrevendo um prefácio para um livro sobre Fernando Pessoa para a editora Nova Arrancada e citou o meu livro nesse texto. Então, a Nova Arrancada se interessou pelo meu trabalho sobre Pessoa, mas acabou optando por publicar o romance Barcelona brasileira, depois que informei que era um trabalho inédito. Como pesquisador, tenho ainda um trabalho inédito, O Reino, a Colônia e o Poder: o governo Lorena na capitania de São Paulo (1788-1797), que desenvolvi em 2013-2014 com bolsa de pesquisa da Universidade Paulista (Unip).

PI - Como foi sua primeira experiência no jornalismo?

AG – Comecei como repórter de esportes do jornal Cidade de Santos, à época em que estava no segundo ano da Faculdade de Comunicação da atual Unisantos. Fiquei três meses e passei para a seção de esportes de A Tribuna, de Santos, onde permaneci até me formar em Jornalismo em 1974. Em 1975, fui para o Estado de S.Paulo e lá cheguei a subeditor de Política.

PI - Você já foi correspondente da revista Época em Lisboa. Teve alguma dificuldade em se adaptar ao outro país? Sofreu algum preconceito por ser brasileiro? O que isso trouxe de experiência?

AG – Nunca sofri nenhum preconceito por ser brasileiro. Pelo contrário. Fui correspondente da revista Época em Lisboa ao tempo em que estava lá para pesquisar a vida e a obra de Bocage. Fiz várias reportagens interessantes para a revista sobre as comemorações dos 500 anos do descobrimento do Brasil, inclusive uma sobre a casa onde morou e morreu Pedro Álvares Cabral em Santarém.

PI - Em sua opinião, quais as características de um bom jornalista?

AG – Em primeiro lugar, um bom jornalista brasileiro deve dominar a Língua Portuguesa, seu instrumento de trabalho. Com o tempo, vai aprender a investigar e a produzir boas reportagens. Infelizmente, o que se vê hoje imprensa brasileira são matérias mal escritas. Além de acabar com a seção de revisão, os jornais, para cortar despesas, dispensaram os redatores mais experientes. O ideal é manter uma redação mesclada de jovens e jornalistas mais experientes.

PI - O que mais lhe satisfez na carreira de jornalista?

AG – Foi a oportunidade de conhecer mais de 30 países. Hoje, sou assessor cultural e de imprensa do Centro Lusófono Camões da Universidade Estatal Pedagógica Hertzen, de São Petersburgo, depois de visita que fiz àquela instituição em 2011. Por indicação do ex-embaixador Dário Moreira de Castro Alves, escrevi os prefácios de dois livros de contos de Machado de Assis que foram publicados pelo Centro em edição russo-portuguesa em 2006 e 2007. Os estudantes russos de Português do Centro gostaram tanto de minha visita que eu e minha esposa fomos recepcionados com bandeirinhas brasileiras na estação ferroviária de São Petersburgo, um momento inesquecível. Participei também do livro Studi su Fernando Pessoa, publicado em 2010 na Itália. O livro reúne os maiores especialistas do mundo em Fernando Pessoa (1888-1935) na visão de seu editor, o professor Brunello De Cusatis, da Universidade de Perugia. Continuo a escrever resenhas de livros. Sou colaborador desde 1994 da Revista Vértice, de Lisboa, e escrevo com frequência para o quinzenário As Artes Entre as Letras, do Porto, e para o Jornal Opção, de Goiânia. Escrevo ainda para sites do Brasil e de Portugal e para uma revista digital de Moçambique, a Literatas. Já escrevi prefácios para livros de três autores moçambicanos.

PI - Dentre os livros que você escreveu, qual é o seu favorito?

AG – Penso que o romance Barcelona Brasileira foi o livro que me deixou mais satisfeito. É um romance que trata do anarquismo no porto de Santos na década de1910-1920. E vai até a fundação do Partido Comunista do Brasil em 1922.

PI - Quais são seus próximos projetos?

AG – Em 2014, encerrei minha carreira como professor universitário. Agora, moro numa pequena cidade do interior de São Paulo, mas continuo a atuar como assessor de imprensa na área empresarial. Com a tranquilidade da vida numa cidade do interior, penso em aproveitar o tempo para concluir um romance que já tem título: Memorial Republicano. Aborda um caso de corrupção nos primeiros tempos da República no Rio de Janeiro. O romance já anda por volta de 60 páginas, mas ficou parado por falta de tempo. Raphael Matos – Brasil in “Jornal Primeira Impressão” *

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* Primeira Impressão, jornal-laboratório da Faculdade de Artes e Comunicação da Universidade Santa Cecília (Unisanta), de Santos-SP, nº154,  maio/junho 2015, pág.39.



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Os Vira-Latas da Madrugada, de Adelto Gonçalves, com prefácio de Marcos Faerman e posfácio de Maria Angélica Guimarães Lopes, ilustrações e capa de Enio Squeff.. Taubaté-SP: Associação Cultural LetraSelvagem, 216 págs., 2015, R$  35,00. E-mail: letraselvagem@letraselvagem.com.br   Site: www.letraselvagem.com.br

Galiza – Um estudo sobre celeiros galegos na Oceânia

Pesquisadores de Paris e Canberra dizem que os galegos descobriram Austrália 240 anos antes que Cook

Reza o ditado que há galegos até na Lua. E, ainda que não foram encontrados no satélite natural da Terra, a história tende a confirmar qualquer exagero a respeito. Assim acontece com os nossos antípodas. Embora as enciclopédias atribuem a sua conquista ao inglês James Cook, são muitos os especialistas que afirmam que Austrália e Nova Zelândia foram descobertas por galegos.

Quando, em 1642, o explorador holandês Abel Tasman chegou à Nova Zelândia, encontrou alguns celeiros sobre pilares. Eram umas construções estranhas, que não existiam em nenhuma outra cultura dessa região do globo. Hoje, não poucos estudiosos afirmam que, na verdade, são celeiros… Celeiros galegos levantados pelos aborígenes maoris.

A origem desta história está na expedição que, em 1525, partiu desde Corunha para a Índia, comandada por García Jofre de Loaísa. Seu objetivo era consolidar as descobertas feitas por Magalhães três anos antes. E tornou-se a segunda frota que conseguiu circunavegar a Terra.

Entre os marcos desta expedição é o resgate de Gonzalo de Vigo, um grumete de Vigo que se havia perdido na campanha de Magalhães e que sobreviveu durante quatro anos na ilha de Guam, vivendo com os nativos. Por incrível coincidência, foi encontrado pela nova frota e é considerado o primeiro Robinson do oceano Pacífico.

Mas antes deste facto insólito, aconteceu outro que marcaria esta história: o extravio da caravela "São lesma", que se perdeu no oceano e nunca foi encontrada. O navio, de 80 toneladas, tinha cinquenta tripulantes, dos quais a maior parte, cerca de trinta, eram galegos.

Durante séculos, pouco se soube da sorte destes homens, excepto por um facto muito estranho: Há palavras e topónimos em galego na Austrália, Nova Zelândia e algumas ilhas do arquipélago polinésio de Tuamotu. Hoje dá-se por certo que a sua origem está nos náufragos galegos da "São lesma".

A primeira teoria expô-la Roger Hervé, conservador do Departamento de Mapas da Biblioteca Nacional de Paris, que em 1982 publicou "A descoberta fortuito da Austrália e Nova Zelândia por navegantes portugueses e espanhóis".

"A caravela perdida"

Mas foi em 1988, quando o historiador Robert Langdom, da Universidade de Canberra, publicou "A caravela perdida" ("The lost caravel". Pacific Publications, 1988), em que afirma que os galegos se estabeleceram na Nova Zelândia, Austrália e na ilha de Amanu, onde narrações orais contam a chegada da "São lesma".

O professor Langdom (que por sinal compartilha o nome com o protagonista de "O código da Vinci"), garante que o navegador inglês James Cook, que chegou a Austrália 240 anos mais tarde, encontrou população branca em algumas ilhas e na costa australiana. Também localizou palavras que identifica como galegas. Além disso, acredita que a religião de Amanu, única na região, adora o "Deus Ouro", que identifica com a ânsia por este metal dos europeus recém-chegados.

Assim como, na mesma época, fazia Hernán Cortés no império mexicano, a obsessão dos conquistadores era o vil metal. Tanto perguntavam pelo ouro que os aborígenes chegaram a dar-lhe carácter divino e adorá-lo.

Mas, para que o caso seja redondo, o historiador australiano diz que os celeiros que começaram a construir-se em Nova Zelândia no século XVI não são nada além de celeiro.  Celeiros galegos nas antípodas.

O estudo de Langdom conclui que a "São lesmas" foi arrastada por uma tempestade e encalhou em Amanu. Lá retiraram os canhões, para a colocarem a flutuar. Segundo ele, estas são as baterias do século XVI que encontraram em 1969 os franceses, durante a construção da base militar de Hao, para os testes nucleares no atol de Mururoa.

Os galegos estabeleceram-se nestas ilhas, onde alcançaram uma posição preeminente. Após repararem a caravela, tentaram viajar às Molucas, pois sabiam que essas ilhas, chamadas então "das especiarias", eram o objectivo da Coroa espanhola. E que, se bem não poderiam contactar a expedição de Jofre de Loaísa, talvez encontrariam outra expedição ou a cidade forte que pretendiam fundar os seus compatriotas.

Os esforços dos náufragos da "São lesmas" foram inúteis. A bordo da sua caravela só conseguiram vaguear pela Austrália e Nova Zelândia, deixando a sua cultura, uma língua, e, aparentemente, um punhado de descendentes. O que seria a população branca encontrada pelo capitão James Cook.

E por isso há celeiros nos antípodas. Pelo menos, isso sustenta um historiador da Universidade de Canberra. E alguns outros colegas no mundo. Assim fica claro que, excepto na Lua, encontram-se galegos em todos os lugares. E o da Lua ainda está para se ver ... Eduardo Rolland – Galiza in “Ciencia Galega”

domingo, 30 de agosto de 2015

Moçambique - 51ª Feira Internacional de Maputo


A 51ª edição da Feira Internacional de Maputo (Facim) inicia-se amanhã, 31 de Agosto de 2015, com a participação de 2950 expositores, dos quais 680 estrangeiros e os restantes moçambicanos.


A Facim a maior montra para a exposição de produtos e potencialidades nacionais, comemora este ano o 51º aniversário desde a sua inauguração, e o 5º ano da realização da Feira em Ricatla, Marracuene.

Como tem sido tradição já consagrada, enquanto Feira anual e multisectorial, a Facim tem o condão de consagrar num único espaço todos os sectores económicos à escala nacional, dai se ter tornado num lugar privilegiado de encontros para o empresariado nacional e estrangeiro.

Com uma área descoberta de 20 mil metros quadrados e uma área coberta de 27 mil metros quadrados, a Facim é composta de 9 pavilhões, Nachingweia, Matchedje, GwazaMuthini e Chai - que irão acomodar os países e empresas estrangeiras; Moçambique e Ricatla – que irão acomodar as províncias e expositores nacionais; Kongwa – para ministérios e instituições públicas; e Tunduru – que vai acolher o sector agro-pecuário e ainda produtos e equipamento agrícolas-CEPAGRI.

Para mais informações aceda aqui. FACIM - Moçambique


sábado, 29 de agosto de 2015

Brasil - CPLP: mais intercâmbio

Adelto Gonçalves
Em recente entrevista ao Diário de Notícias, de Lisboa, Salimo Abdula, presidente da Comunidade Empresarial da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CE-CPLP), queixou-se de certo desinteresse do governo Dilma Rousseff pela entidade, ao contrário do que teria ocorrido à época do governo Lula da Silva. Para Abdula, como a presidente brasileira vive hoje um momento diferente do vivido por seu antecessor, a CPLP, se não deixou de ser considerada prioridade, pelo menos é vista como meta menos importante na política externa de seu governo.

Para que essa impressão seja superada, o empresário sugere, entre outras medidas, que, de fato, a CPLP se torne uma área de livre circulação de pessoas, bens e capitais, o que estimularia também o setor informal: hoje não são poucas, por exemplo, as mulheres moçambicanas que, mesmo com dificuldade com a língua, viajam para fazer compras em Dubai, África do Sul e Malásia, a exemplo das caboverdianas que costumam ir a Fortaleza. Se não houvesse ainda tantas exigências com vistos e atestados, viriam ao Brasil ou iriam a Portugal para fazer este intercâmbio. Igualmente as empresas formais poderiam se valer da língua comum para aumentar seus negócios. Abdula lembra que o idioma no impacto de uma empresa tem um custo de 17%.

De fato, os números do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) mostram que Salimo Abdula está coberto de razão, pois se tem registrado um flagrante decréscimo nas trocas comerciais entre o Brasil e os demais membros da CPLP (Portugal, Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste). O ano de 2008 foi aquele em que houve maior intercâmbio entre o Brasil e os demais sócios da CPLP (as exportações chegaram a US$ 3,7 bilhões e as importações a US$ 2,8 bilhões). Em 2014, as exportações foram de US$ 2,4 bilhões e as importações, US$ 2,2 bilhões.

De janeiro a julho deste ano de 2015, houve uma queda de 42% na corrente de comércio em comparação com idêntico período de 2014 (US$ 1,5 bilhão contra US$ 2,6 bilhões). No período, o Brasil exportou US$ 968 milhões e importou US$ 548 milhões, registrando um saldo de US$ 420 milhões. Soja e petróleo representaram cada um mais de 14% das exportações do Brasil até julho. Açúcar, carne e tratores foram outros produtos que se destacaram. Já as importações oriundas da CPLP foram lideradas por gás natural liquefeito e azeite (17%). Peças para aviões, bacalhau, peras, produtos petroquímicos e sulfetos de minério de cobre apareceram em destaque.

A prova de que a África e o Timor-Leste não estão entre as prioridades é que Portugal, no âmbito da CPLP, continua a ser o maior parceiro comercial do Brasil. Nos primeiros sete meses do ano, o Brasil exportou para Portugal US$ 539 milhões e importou US$ 519 milhões. Para a CPLP como um todo, o Brasil exportou, no mesmo período, US$ 968 milhões e importou US$ 548 milhões. Ou seja, quase 70% de todo o comércio no espaço lusófono o Brasil faz com Portugal. Adelto Gonçalves – Brasil


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Adelto Gonçalves, jornalista especializado em comércio exterior, é doutor em Letras pela Universidade de São Paulo (USP) e autor de Direito e Justiça em Terras d´El-Rei na São Paulo Colonial (Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2015), entre outros. E-mail: marilizadelto@uol.com.br


Poderá aceder à entrevista de Salimo Abdula aqui.

sexta-feira, 28 de agosto de 2015

Ontem e hoje, o mesmo Brasil

Pesquisador Adelto Gonçalves desvenda a estrutura judiciária na capitania de São Paulo (1709-1822) em livro que ajuda a entender o momento que o País vive


SÃO PAULO – Para entender o Brasil de hoje, é preciso conhecer o de ontem. Essa é a oportunidade que oferece o livro Direito e Justiça em Terras d´El Rei na São Paulo Colonial (1709-1822), publicado em julho de 2015 pela  Imprensa Oficial do Estado de São Paulo. Resultado de bolsa de pesquisa concedida pela Universidade Paulista (Unip), o livro é um trabalho de investigação sobre a atuação de ouvidores, juízes de fora, corregedores, provedores, juízes ordinários e vereadores à época da capitania de São Paulo (1709-1822), por meio da descrição dos casos mais significativos, constituindo um diagnóstico da estrutura judiciária. Por seu caráter inédito e recorte específico, é uma contribuição aos estudos da aplicação do Direito e da Justiça na São Paulo colonial e deverá se tornar referência nos planos de ensino da cadeira de História do Direito.           

Para o pesquisador, o patrimonialismo, que ainda sobrevive não só nas regiões mais arcaicas do Brasil, é apenas uma continuação de um sistema social que veio de Portugal à época da colônia e que define a organização do Estado como se fosse propriedade familiar, de uma casta ou de uma oligarquia. “Desde aqueles tempos, o Estado é usado para proteger e favorecer grupos ou empresas que fazem negócios lucrativos sob a sua sombra”, diz Gonçalves.

O pesquisador lembra ainda que, a partir da presença dos ouvidores e juízes de fora, a partir da segunda metade do século XVII, as câmaras municipais começaram a perder poderes e atribuições judiciárias e administrativas, mas continuaram a acumular funções que atraíam uma elite formada quase exclusivamente por comerciantes, como a de arrematação de contratos, como os da carne, aferição e estanques. “As câmaras serviriam como instrumento político para a viabilização de negócios tutelados pelo governo, que eram assumidos por clãs locais. Foram o embrião que daria origem aos chamados coronéis”, explica.

Para o estudioso, a corrupção é prática tão antiga quanto o Brasil. “Não raro, a corrupção partia daqueles que estavam encarregados de fiscalizar os descaminhos ou contrabandos, que aceitavam suborno para deixar passar irregularidades”, diz. Segundo ele, o mau exemplo vinha de cima. “Foram raros os capitães-generais e governadores que voltaram para Portugal com as mãos limpas e vazias. Embora fossem proibidos por lei régia de 1755, faziam negócios por interpostas pessoas. Como entendiam que ganhavam mal, sempre concluíram que deveriam aproveitar o período em que ficavam longe do Reino para amealhar recursos, ainda que de maneira ilícita, para compensar o sacrifício que faziam em nome do rei”, observa. E acrescenta: “Deixar de recolher tributos seria permitido se a pessoa envolvida tivesse certo status, ou seja, uma folha de serviços prestados à Coroa ou ascendentes de prestígio”.

Por isso, diz, os magistrados não tinham uma bússola para seguir: o que seria ilícito para uns seria permitido para outros. “As penas variavam de acordo com a qualidade das vítimas e dos réus. Até porque não havia o pressuposto de que todos os homens seriam iguais. Nobres, clérigos, grandes comerciantes e governantes, senão estavam explicitamente acima das leis, dificilmente, seriam passíveis de punição”, explica.

Ele lembra ainda que d. Rodrigo de Sousa Coutinho, ministro do príncipe regente d. João, ao final do século XVIII, reconheceu que a magistratura na América portuguesa seria, além de numerosa, extremamente venal e dependente não só dos governadores como de comerciantes e arrematantes de contratos.

Currículo do autor
           
Doutor em Literatura Portuguesa e mestre em Língua Espanhola e Literaturas Espanhola e Hispano-Americana pela Universidade de São Paulo (USP), Adelto Gonçalves, 63 anos, é jornalista desde 1972, com passagens pelos jornais Cidade de Santos, A Tribuna, de Santos, O Estado de S. Paulo e Folha da Tarde e pela Editora Abril.

É também autor de Gonzaga, um poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), sua tese de doutoramento, biografia do poeta árcade Tomás Antônio Gonzaga (1744-1810), que obteve em 2000 o Prêmio Ivan Lins de Ensaios da União Brasileira dos Escritores e da Academia Carioca de Letras.

Com bolsa de estudos da Fundação de Amparo à Pesquisa no Estado de São Paulo (Fapesp), Gonçalves desenvolveu investigações em 1999-2000 em arquivos e bibliotecas de Portugal para escrever uma biografia do poeta Manuel Maria de Barbosa du Bocage (1765-1805), seu primeiro trabalho de pós-doutorado. O livro Bocage: o perfil perdido foi publicado em 2003 pela Editorial Caminho, de Lisboa, seguindo o mesmo destino do romance Barcelona brasileira, que foi lançado primeiro em Portugal, em 1999, pela editora Nova Arrancada, de Lisboa, e, em 2003, pela Publisher Brasil, de São Paulo.

Colaborador do quinzenário As Artes Entre as Letras, do Porto, e Jornal Opção, de Goiânia, Gonçalves publicou ainda o livro de contos Mariela Morta (Ourinhos Complemento Editorial, 1977), o romance Os vira-latas da madrugada (Rio de Janeiro, José Olympio, 1981; Taubaté: Editora Letra Selvagem, 2015), o livro de ensaios e artigos Fernando Pessoa: a voz de Deus (Santos, Editora da Unisanta, 1997) e Tomás Antônio Gonzaga, antologia e estudo crítico-biográfico (Academia Brasileira de Letras/Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2012).

O escritor conquistou os prêmios José Lins do Rego (1980), da Livraria José Olympio Editora, Fernando Pessoa (1986), da Fundação Cultural Brasil-Portugal, e Assis Chateaubriand (1987) e Aníbal Freire (1994), ambos da Academia Brasileira de Letras. É sócio-correspondente da Academia Brasileira de Filologia (Abrafil) e assessor cultural do Centro Lusófono Camões da Universidade Estatal Pedagógica Hertzen, de São Petersburgo, na Rússia. Imprensa Oficial do Estado de São Paulo - Brasil


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Direito e Justiça em Terras d´El Rei na São Paulo Colonial, de Adelto Gonçalves. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 364 págs., R$ 55,00, 2015. Site: www.imprensaoficial.com.br

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Portugal - "Sombra e Sol – Vai a rua em duas cores"

Luís Barriga lança obra que retrata história de uma comunidade do século passado em Estoi.

Integrado nas comemorações do Dia da Cidade de Faro, o escritor Luís Barriga (Luís Daniel Rosário Barriga) apresenta, na Casa do Povo de Estoi, no próximo dia 7 de Setembro de 2015, pelas 18h30, o seu primeiro livro "Sombra e Sol – Vai a rua em duas cores", uma produção da Arandis Editora.

A obra, com prefácio de João Bonança, conta com uma nota prévia de Fernando Rafael.

Como refere João Bonança no seu prefácio, a obra pretende "dar a conhecer a história de uma comunidade – numa época do século passado – na aldeia de Estoi e seus arredores, com as suas tradições".

Luís Barriga nasceu a 24 de maio de 1961, e conforme descreve a sua nota biográfica, "é filho, estudante, auxiliar de topografia, praticante de Artes Marciais e jogador de Xadrez, Monitor de Atletismo, Ginástica Desportiva e Andebol, Técnico de projecção de Cinema, Luminotécnico de teatro, Repórter, Jornalista, Ilustrador, Director do Jornal "O Jogral" e Director do Grupo Desportivo e Cultural Jograis António Aleixo, Pintor e Escultor, Técnico de Instalações Eléctricas, Militar de Cavalaria, estudante de Engenharia Eléctrica, Instrutor de Artes Marciais e Segurança de Discoteca, Mestre-de-obras, Servente de Pedreiro, Eletricista, Pintor e Jardineiro da sua própria casa, Marido e Pai a tempo inteiro, estudante de Psicologia Clínica, Psicólogo Clínico, Docente Universitário, Mestre em Psicologia Perinatal, Investigador, autor de artigos científicos, Orientador de Estágios Académicos e Profissionais em Psicologia Clínica. Fotógrafo, Director da Casa do Povo de Estoi e agora talvez Escritor". In “Algarve Primeiro” - Portugal

Angola – Reabilitação do Porto do Namibe

O embaixador do Japão em Angola, Kuniaki Ito, reiterou na passada terça-feira, 25 de Agosto de 2015, o desejo de o seu governo em continuar a financiar as fases subsequentes da reabilitação do Porto do Namibe, com vista a aumentar a sua capacidade produtiva e torná-lo mais expedito.

O diplomata, que falava à imprensa no quadro da sua visita de dois à província do Namibe, assegurou que a este propósito vai procurar junto da direcção portuária o plano da segunda fase de reabilitação, para determinar o valor real de financiamento.

A primeira fase de reabilitação e de modernização do Porto do Namibe, financiada pelo governo japonês, esteve estimada em 24 milhões de dólares e consistiu no alargamento de 240 para 875 metros de cais.

Com base a reabilitação, o porto ganhou um parque de estacionamento com 25 mil e 748 metros quadrados, modernização de vias de acesso do recinto portuário e sistema de abastecimento de água aos navios, entre outras obras.

A segunda fase de reabilitação do porto consistira na sua expansão em águas profundas, de forma a afirmar-se como a maior infra-estrutura portuária da região sul de Angola. In “Angop” - Angola

quinta-feira, 27 de agosto de 2015

Microficção: salada de gêneros literários

                                                           I

Adelto Gonçalves
Para quem reluta em aceitar a microficção como gênero literário, o último número da revista Forma Breve, nº 11, da Universidade de Aveiro, de dezembro de 2014, oferece cinco ensaios que ajudam a jorrar luz sobre o assunto, até porque esse é um tema ainda recente na literatura portuguesa. É de se lembrar que a Primeira Antologia de Micro-Ficção Portuguesa, de Rui Costa e André Sebastião, organizadores (Vila Nova de Gaia, Editora Exodus), e única até agora, foi editada em 2008. Seja como for, como observou Henrique Fialho no prefácio que fez para esta antologia, “ninguém pode negar que, sob a capa de poema, poema em prosa, aforismo, ou o que quer que seja, a micronarrativa vai marcando presença na literatura portuguesa”.

Já Rui Costa, co-organizador daquela antologia pioneira, afirma que aquilo que mais o “atrai na microficção é a sua extrema aptidão para a promiscuidade”. E acrescenta: “A micro-ficção não é um gênero literário, é a riqueza da impossibilidade de o ser. Confunde os gêneros e deixa-nos (bem) perdidos no caminho para qualquer definição”. Além disso, como se trata de textos curtos e de leitura rápida, a microficção ganhou um fôlego especial nestes tempos de Internet e profusão de blogs dedicados à literatura.

Um dos ensaios mais fecundos sobre o assunto que se encontra no último número de revista Forma Breve é “Eros y Afrodite en la minificción”, de Dina Grijalva Monteverde, da Universidad Autônoma de Sinaloa, México, em que a autora diz que foi o escritor mexicano Edmundo Valdés (1915-1994) quem chamou de minificção este tipo de texto breve, que admite outros nomes como miniconto, microrrelato, conto pigmeu, conto liliputense, microconto, relato vertiginoso, conto minúsculo, entre outros. Nesses textos de tamanho reduzido, observa a estudiosa, é possível encontrar-se todas as paixões que inquietam o ser humano: amor, ódio, inveja, ciúme, desejo. Ou seja, é a mesma variedade que se pode encontrar em outros gêneros.

Em seu ensaio, Dina Grijalva Monteverde, porém, prefere restringir-se às incursões que Eros tem feito em miniaturas textuais escritas por autores da Argentina e do Chile. E destaca o trabalho de dois deles; o argentino Orlando Van Bredam (1952) e o chileno Max Valdés Avilés (1963). De tão breves que são – e para que o leitor neófito tenha uma ideia do que sejam esses relatos curtos –, pode-se repeti-los aqui:

En el ascensor, de Orlando Van Bredam:
Mientras bajan, él imagina lo que haría con ella si ella quisiera.  Ella se imagina lo que él imagina y lo mira. Él ve en los ojos de ella lo que ha imaginado y se llena de vergüenza. Ella se lamenta, otra vez, de la eterna indecisión de ambos.

El amor en tiempos de postmodernidad, de Max Valdés Avilés:
Un hombre, una mujer, tocan la pantalla simultáneamente, uno a cada lado del hemisferio, esa nueva forma de amar y extasiarse, hasta la soledad.

                                               II
Lendo o ensaio “Linguagem e arte de sugestão: Os contos de Ukamba Kimba”, de Lola Geraldes Xavier, da Escola Superior de Educação de Coimbra/Centro de Literatura Portuguesa, fica-se sabendo que João-Maria Vilanova, poeta angolano da geração de 70, pseudônimo literário de João Guilherme Fernandes de Freitas (1933-2005), foi um dos maiores cultores em Língua Portuguesa desse gênero (ou subgênero) que à época nem essa classificação carregava. Em Os contos de Ukamba Kimba (Luanda, Editora Vila Nova de Cerveira, 2012), o leitor encontra 24 narrativas muito curtas, que, como observa a estudiosa, mudam de forma se o narrador é português ou angolano.

“Isso significa o uso de uma linguagem que tenta aproximar-se do coloquial, utilizada por uma camada da população que tem acesso ao português apenas falado, misturando-o com termos de quimbundo, que o autor esclarece em alguns contos com glossário. Encontram-se, aqui e ali, as marcas de uma linguagem socioletal, representativa de grupos menorizados, negros, como tentativa de criação de uma literatura “descolonizada”, com o mínimo de marcas do Português europeu”, diz Lola Geraldes Xavier.

Explica ela que, embora a linguagem usada por Vilanova se enquadre majoritariamente na variante do Português falado em Angola, o estilo lingüístico é original e próprio, “é reinvenção da realidade, é a linguagem que a memória de João de Freitas recria de uma mundividência angolana que vivera décadas antes de dar por encerrados alguns dos seus contos (outros não terá finalizado)”.

                                               III
Em “Micro fiction and short ficction: surrounded by scaffolding on all sides” (Microficção e ficção curta rodeadas por andaimes), Erik Van Achter, da CLP/Coimbra-KULeuven (Bélgica), diz que tanto o conto literário moderno quanto a microficção são  produtos duma época diferente e consequentemente de circunstâncias diferentes. “Contrariamente ao que acontece com a short story”, diz Van Achter,  “a micro fiction não tem encontrado grandes opositores nem críticas severas”. Entre estas duas categorias de micronarrativas, acrescenta, existe ainda a vignette.

Ou seja, vinheta, em bom português, pode ser entendida como um atalho ou cena curta (na linguagem teatral). Ou ainda, em diagramação de jornal, um minitítulo que marca um tema. Van Achter questiona qual o lugar deste gênero no concerto dos subgêneros da narrativa breve. O articulista mesmo procura responder lembrando que, se o conto ocupou lugar de destaque na literatura praticada nos séculos 19 e 20, a microficção vale-se em sua divulgação da era digital em curso neste século 21.

Do mesmo modo, Paulo Antonio Gatica Cote, da Universidad de Salamanca, no ensaio “Nuevas tradiciones electrónicas y viejas rupturas de vanguardia en la tuiteratura mexicana”, diz que as práticas artístico-literárias na Internet têm dado cumprimento, além da consolidação de uma estética fragmentária, ao grande projeto vanguardista de desmaterialização da obra de arte. “A realidade textual do objeto-livro tem dado lugar a novas realizações eletrônicas que respondem a uma lógica distinta da “posse” da obra-documento: a lógica do acesso ou distribuição praticada por grande parte dos criadores nas redes sociais”, acrescenta.

Em seu trabalho, Gatica Cote procura aprofundar-se na tuiteratura mexicana, ou seja, na literatura produzida e compartilhada no Twitter no México em língua castelhana, por meio da recolha das manifestações literárias que considera as mais interessantes.  

                                                           IV
Ainda dentro do tema microficção, o ensaio “João Gilberto Noll, leitor de Clarice Lispector”, de Luiz Gonzaga Marchezan, da Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho (Unesp), campus da Araraquara, analisa o microconto “Afã”, com 129 palavras, publicado no jornal Folha de S. Paulo em 6 de agosto de 2001 e que faz parte do livro Mínimos, múltiplos, comuns (São Paulo, Editora Francis, 2003),  do autor gaúcho, que reúne outros 337 contos ultracurtos e obteve o Prêmio ABL (Academia Brasileira de Letras) de Ficção de 2004. Nesse conto, João Gilberto Noll faz uma alusão a uma passagem do conto “O búfalo”, de Clarice Lispector (1920-1977), mas que só percebe quem a conhece, o que constitui um hipotexto, como bem explica o ensaísta. E que pode ser vista também como intertextualidade. Nunca como plágio. Adelto Gonçalves – Brasil


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Forma Breve, Revista de Literatura. Microficção, nº 11, dezembro de 2014. Departamento de Línguas e Cultura da Universidade de Aveiro. E-mail: antonio@ua.pt


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Adelto Gonçalves é doutor em Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo (USP) e autor de Os vira-latas da madrugada (Rio de Janeiro, José Olympio Editora, 1981; Taubaté-SP, LetraSelvagem, 2015), Gonzaga, um poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002), Bocage – o perfil perdido (Lisboa, Caminho, 2003), Tomás Antônio Gonzaga (Academia Brasileira de Letras/Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2012), e Direito e Justiça em Terras D´El-Rei na São Paulo Colonial (Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2015), entre outros. E-mail: marilizadelto@uol.com.br

Alemanha – Porto de Duisburg ganha quota de mercado na movimentação de contentores

Segundo o jornal de comércio londrino “Container Management” o porto interior alemão de Duisburg ocupou em 2014 o 41º lugar no seu Top 100 ranking, ultrapassando com um movimento de 3,4 milhões de TEU, portos marítimos como Le Havre (2,6 milhões), Houston (2 milhões), Barcelona (1,9 milhões), Marselha e Sines (1,2 milhões) ou Miami (900 mil TEU).

“Como o único porto fluvial entre os melhores portos de contentores, o porto de Duisburg está a reforçar a sua posição como maior estrutura mundial de movimentação de contentores no interior” afirmou Erich Staake, CEO do porto em comunicado, acrescentando que “o transporte combinado continuará a ser essencial para o crescimento futuro. Com a nossa orientação para a procura, desenvolvendo as capacidades dos terminais, estamos a criar condições para um maior crescimento.”

A capacidade do porto é actualmente de cinco milhões de TEU por ano, mas devido ao difícil ambiente económico, “as greves no sector do transporte ferroviário de mercadorias e o fraco crescimento económico da China tiveram um efeito negativo no porto de Duisburg” adiantou Erich Staake, justificando o 1,8 milhões de TEU movimentados no 1º semestre de 2015, ligeiramente superior ao período homólogo (1,6 milhões).

No próximo mês de Setembro, duas gruas ferroviárias entrarão ao serviço nos terminais I e III, para aumentar a capacidade operacional. Baía da Lusofonia

Moçambique – O vizinho Zimbabwe procura novas saídas para o mar

O governo do Zimbabwe está a negociar com potenciais investidores um projecto de uma nova ligação ferroviária a um novo porto a norte do da Beira, em Moçambique.

A informação foi avançada pelo ministro de Desenvolvimento de Infra-estruturas e Transportes, do Zimbabwe, em declarações ao ”The Herald”.

Obert Mpofu afirmou que o governo está a estudar diversas propostas apresentadas por empresas potencialmente interessadas e, em simultâneo, “envolvido em negociações com potenciais promotores do projecto.”

“Identificámos alguns potenciais promotores, as propostas estão a ser estudadas e mal haja uma selecção, nomeadamente dos financiadores, avançaremos com o projecto”, disse ainda o ministro ao jornal.

Obert Mpofu adiantou não estar, no entanto, decidido qual o modelo a ser aplicado neste projecto, se um regime de concessão ou de parceria público-privada.

Nas declarações ao “The Herald”, o ministro do Zimbabwe não mencionou qual o papel de Moçambique neste projecto, nem se ocorreram já conversações com o governo moçambicano.

Actualmente, a Linha de Machipanda é a única ligação ferroviária entre Moçambique, o Zimbabué e a Zâmbia.

Harare, capital do Zimbabwe, dista de Durban, cidade portuária na costa oriental da África do Sul, 1 675 quilómetros ou 20 horas por estrada, enquanto a ligação à Beira, por exemplo, é de 550 quilómetros ou oito horas por estrada. In “Transportes & Negócios” - Portugal

quarta-feira, 26 de agosto de 2015

CE-CPLP - Entrevista do Presidente, Salimo Abdula, ao Diário de Notícias

Foto: Orlando Almeida
O basquetebol era o seu sonho, mas o destino, acredita Salimo Abdula, 50 anos, tinha outros planos. Nascido muçulmano, numa família humilde (a mãe trabalhava em casa, o pai numa açucareira) e com sete irmãos, conquistou um lugar na universidade. Até o conseguir, foi várias vezes de Quelimane a Maputo, à boleia. Plantou-se à porta do ministério. E conquistou o lugar no primeiro curso administrado pela Universidade Eduardo Mondlane. A sua primeira empresa era um buraco: comprou-a por 400 meticais (cerca de 100 dólares na altura e descobriu que tinha dívidas de quatro mil milhões de meticais. Aos poucos deu-lhe a volta. Depois, foi sempre a crescer, no mundo dos negócios e em visibilidade. E acabou por ser convidado para integrar o Parlamento, onde não quis ficar mais de um mandato. Centrista, é amigo de Armando Guebuza, que foi seu sócio nas empresas. Hoje, com 26 anos de experiência empresarial, acumula a liderança da Comunidade Empresarial da CPLP com a presidência da sua holding Intelect (Energia, Publicidade, Turismo, Finanças, Recursos Minerais, Telecomunicações, Imobiliária e Consultoria), é presidente da mesa da assembleia geral da Confederação das Associações Económicas de Moçambique e CEO da Vodacom. Casou com uma católica, no ano em que comprou a primeira empresa,1990, e tem três filhos. “Nenhum quis ser basquetebolista: dois estão no futebol – um está cá, a treinar pelo Benfica na EliteTraining – e um no desporto motorizado.” Quanto a Salimo, benfiquista convicto, continua a preferir o basquetebol. “Ainda jogo, desafios de veteranos, às quartas e aos domingos. Com grandes craques, um deles foi jogador na seleção portuguesa, o João Domingos e o ‘Bebé’ Serrano, o David Simango…” Também ele foi craque. “Campeão nacional em 1983!” Mas é nos negócios que faz a sua vida.

Como é que se passa de empregado de mesa num restaurante para ser um dos homens mais influentes de África, de acordo com a revista Forbes? Qual é o segredo?

O segredo não sei. A vida foi-me proporcionando algumas surpresas e eu quero acreditar que é o destino. Lembro-me de quando se deu a independência nacional, tinha mais ou menos 12 anos…

Que imagem é que tinha dos portugueses nessa altura?

Tinha uma imagem boa. Porque, de facto, o país era tranquilo, na minha pequenez. Não vivia os problemas de que se falava em termos do regime colonial. Cresci na zona rural, onde os meus pais eram empregados – o meu pai; a minha mãe doméstica - e vim para a cidade de Quelimane, que era capital dessa província da Zambézia. Vinha estudar, assim como os meus irmãos, em casa de um senhor que era já muito conhecido em Moçambique dono de uma cadeia de cinemas. E tenho esta recordação de uma vida muito estável, muito boa, havia tudo.

Os seus pais eram politizados?  

Não, nunca foram. O meu pai trabalhava para uma companhia, a Sena Sugar Estates. Lembro-me de um dia na vila de Luabo, eu estava a brincar e vi um clube muito bonito, e entrei a correr – era um menino de 6,7 anos – e veio o contínuo a correr atrás de mim: “Tem de sair daqui, menino!” Eu não sabia que era o clube dos ingleses. Naquele tempo, em vez de se distinguir, dizia-se: “É o clube dos brancos. Tu não podes entrar lá.” Tenho esta imagem negativa. De resto, o standard de vida era bom.

Mas voltando à questão, como é que se passa dessa dimensão para um dos mais influentes de África?

É dos ganhos da independência. Fui esta vítima do sucesso. Porque a liberdade criou também estas condições. Naquela altura, a maioria dos moçambicanos eram preparados para servir o sistema, para trabalhar. E a independência criou liberdade. Criou problemas, sim, porque as pessoas tinham de lutar por si, mas criou outras oportunidades para quem se dedicasse com toda a sua energia a querer ser um empresário. Tivemos um período de economia centralizada que não criou condições para as pessoas pudessem ser empresárias. Eu joguei basquete e era a minha perdição – queria ser um jogador da NBA. Infelizmente a vida não me proporcionou que chegasse a esse nível, porque também não cresci muito…(risos)

Foi para os negócios.

Quando terminei os estudos na Beira, ali naquele período do marxismo-leninismo, eles é que determinavam para onde eu ia. E colocaram-me na Direção Provincial do Comércio Externo. Mas eu tinha a minha ambição de querer continuar a estudar. Mas isso era decidido em Maputo. Um dia, vou ao aeroporto da Beira e vejo um avião militar a transportar pessoas. Meti-me na fila e consegui entrar. Quando cheguei a Maputo, não saía do Ministério da Educação. Eles recusaram e tive de voltar para a Beira; mas voltei e acabei por entra em Engenharia Informática. Era o primeiro curso que a Universidade Eduardo Mondlane ensinava. Há um belo dia que recebo uma chamada da Beira, da empresa onde estive a fazer o part-time, e a senhora da contabilidade diz-me que a empresa foi abandonada pelos donos. Eu tinha 18 anos e ela diz-me que há três procurações: ela tem uma, o procurador outra, mas eles não querem, e eu sou o terceiro. E naquela força da juventude…

Inconsciente…

Um bocadinho inconsciente, fui para a Beira. Aí começa um novo desafio na minha vida. E quando começam a fazer o rol do ativo e do passivo, as surpresas e as dores de estômago começam. A empresa tinha responsabilidades na banca acima de 4 mil milhões de meticais. Tinha trabalhadores e poucos ativos, que eram os monos – não tinha propriedade – e aí caio na realidade. Mas já tinha assumido. E aprendi com meu pai: um homem só vale aquilo que é a sua palavra. Então reuni com os trabalhadores e disse: “Eu não tenho meios financeiros mas tenho vontade. Vamos pegar nisto e trabalhar juntos?” A primeira coisa que eu fiz foi estudar os mercados, os monos que eu tinha na Beira serviam em Quelimane. Vendi tudo. Foi um cash flow que entrou, comecei a pegar nas obras que estavam paradas, a arranjar equipamento. Começámos a gerar receitas. E a Beira tinha uma coisa: tinha a indústria de cabos elétricos. Em Maputo não havia cabos elétricos. E eu tinha uma motorizada e comecei a usar os meios.

O setor privado, nessa altura, era muito incipiente.

Era o pequeno comércio, merceeiros…Em três ou quatro anos coloquei a empresa numa situação completamente saudável. Entretanto comecei também a fazer prestação de serviços para Quelimane, onde o meu irmão era o distribuidor da indústria hoteleira, e ele deu-me uma cota na empresa. E foi neste processo, como eu vivia em Maputo e tinha casado, que em 1990 ele diz assim: “Agora vamos a uma hasta pública, porque há aí umas empresas que foram intervencionadas pelo Estado e você pode fazer o bidding.” O lance era para uma empresa de construção, que era a Pinto Brás África. Eu, que estava no ramo eletrotécnico, fiquei com uma construtora e o meu vizinho, tinha a Eletrosul, que era uma oficina de bobinagem. Então propus-lhe parceria.

Complementaridade, claro.

Sim, ele ficou com uma parte da minha empresa de construção e eu ficava com uma parte da empresa de eletricidade. E começámos, sempre eu a gerir, até que mais tarde o senhor, que também era funcionário público – era um engenheiro que trabalhava para os caminhos-de-ferro – disse “Ó pá, fica com a minha quota. Eu vendo isso.” E eu acabei por comprar a Eletrosul e ficou 100% minha e da minha esposa.

Daí em diante foi sempre a crescer.

Sim. Formei a Intelec. Depois em 1992, houve a cessão da paz. Em 1994 o Estado sai para um regime aberto, descentralizado, e começa a querer ter pessoas com outras opiniões, empresários a entrar para o sistema e empurram-me, assim, um pouco para também ser candidato à Assembleia da República.

E foi candidato nas primeiras eleições multipartidárias do país.

E sou eleito pela minha província natal, a Zambézia - fui o 7º mais votado.

Eleito, portanto, pela Frelimo.

Sim, sim. E exerço assim a minha curta passagem pela política, de 1994 a 1999. Fui ainda reeleito mas pedi para sair porque a minha vida empresarial estava um pouco em declínio. A minha esposa, que estava a estudar Medicina, deixou para ajudar a empresa.

Mas não gostou da experiência?

Não é uma questão de gostar ou deixar de gostar. A minha passagem pelo Parlamento deu-me uma outra visão do país, dos desafios e das necessidades do país.

Hoje como é que se definiria ideologicamente: um homem de esquerda, de centro, de direita?

Sou um homem do centro. Vou aprendendo o equilíbrio entre a esquerda e a direita e acredito que tudo na vida tem de ser comedido. Acredito que a economia de mercado criou condições para que o setor privado possa ser o motor de uma economia mas aprendi também que é preciso crescer com alguma distribuição sustentável. E acho que este é o processo que Moçambique está a aprender. Quando saí da política, achei que podia continuar a dar o meu préstimo, como cidadão. Então passei pela Associação Comercial de Moçambique. E depois sou o candidato a vice-presidente da Confederação das Associações Económicas de Moçambique. Quando entrei para a Associação Comercial disse: “Vou-me candidatar mas vou-me limitar a um novo estatuto em que todos nós, como dirigentes, temos de saber que temos o dia para iniciar e o dia para finalizar.” Porque quem não tem isto, deixa andar e vai empurrando as coisas.

Com a barriga.

Isso, Mas sim, quando passei pelo Parlamento, fiz grandes amizades.

É daí que vem a sua amizade com Armando Guebuza?

Sim, também. Conheci o Armando Guebuza como tenho amizades com pessoas de vários partidos. A minha amizade com o Armando Guebuza, que era o meu chefe de bancada, começa com uma divergência. Há uma conversa e eu, que era dos mais jovens do Parlamento e não tinha papas na língua, aquilo que achava que não estava correto dizia. E as pessoas diziam: “Eh pá, não se diz isso aos mais velhos.” Um dos temas em debate era a educação e eu meti-me na conversa. “Nós temos de apostar na educação maciça mas, se não criamos embriões de qualidade de educação estamos condenados ao insucesso, porque não vamos ter quadros que defendam o grande progresso do país.”

A educação é a base de tudo.

Exatamente. E aquilo gerou ali um desconforto e então fiquei numa situação de persona non grata. Mas o Armando Guebuza é uma pessoa muito inteligente e gosta de ouvir as pessoas quando têm algo a dizer.

No fundo, é alguém que não gosta de lambe-botas.

Sim. Há um dia no Parlamento, em que a bancada da Frelimo está numa discussão um bocado embaraçosa e com os meus argumentos ganhei a confiança da bancada. E então recebo um bilhetinho a dizer: “Olha, parabéns. Você criou qualquer coisa como uma diarreia mental na oposição.” E a partir desse dia gerou-se uma conversa natural com o líder. E ele disse-me: “Mais do que nós fazemos às vezes nesses meandros políticos é exatamente o que tu estás a fazer – é entrar para o setor produtivo, criar empregos, fazer.”

E essa amizade com Guebuza trouxe-lhe mais alegrias ou dissabores? Ele está na sua holding.

Esteve.

Esteve. Há aquela perceção da confusão entre política e negócio?

Exatamente. Eu penso que o Armando Guebuza é uma pessoa visionária, um político acima da média do continente africano, que eu respeito muito como homem. Mas, para mim, foi-me muito mais útil antes de ser presidente. Quando ele decide candidatar-se eu não medi muito as consequências. Eu tinha vários: os técnicos e os gestores que sempre trabalharam na empresa têm partes na empresa, embora eu seja o sócio maioritário. As pessoas especulam que Guebuza é o sócio maioritário, mas já na altura eu tinha 70%. Ele acreditou, investiu como os outros. Mas quando ele se candidata e é eleito, um dos acionistas, que é jurista, disse que ia haver conflito de interesses, portanto sugeriu a Armando Guebuza demitir-se do cargo. E a empresa acabou por comprar as ações.

Mas havia quem dissesse que o Salimo era um testa de ferro…

Isso é tudo especulação. Agora, a partir do momento que ele é eleito, foi mais prejudicial para mim do que benéfico. Pode ser benéfico no prestígio, nunca deixei de ser amigo dele. Mas também nunca fui beneficiado na empresa, porque eu tenho a ética correta do que são os negócios. Fui o primeiro moçambicano a ser formado no Instituto de Global Ethics, nos Estados Unidos. E quando voltei a Moçambique, fui fundador da Ética Moçambique.

Mas não ignora que a perceção que as pessoas têm de que o universo que existe entre a política e os negócios é muito pouco claro…

Em qualquer sociedade, principalmente para a política, o que conta são as perceções. Mas para os empresários, são os factos.

Conhece a realidade moçambicana, já conhece também a portuguesa. Moçambique é um país corrupto? É mais do que Portugal?

Eu até tinha um termo: “Quanto mais questões burocráticas e administrativas se colocarem, mais lojas de corrupção nós geramos.” A corrupção é fenómeno global, umas vezes de forma mais camuflada que outras. Em países marginais, como os nossos, nas economias marginais como as nossas, é mais notável a pequena corrupção, porque é o incómodo do dia-a-dia da população. As pessoas necessitadas vão-se corrompendo para sobreviver. Então é a pobreza que gera a corrupção ou a corrupção que gera a pobreza?

E qual é a sua resposta?

São ambas, mas a questão principal é o berço. Eu venho ainda de uma geração em que os meus pais me ensinaram valores. Nunca tive tendência a ser corrupto e acho que o que me segurou foi o berço.

Foto: Orlando Almeida
Considera-se um homem rico?

Para mim, o conceito de riqueza é muito simples: é alguém que tem aquilo que são as necessidades básicas mas que, quando chega à hora do descanso, deita a cabeça na almofada e sabe que não tem dívidas e não passou por cima de ninguém. Voltando à corrupção, a outra questão que define Moçambique, muitas vezes, tem a ver com a cultura lusófona – os vizinhos sul-africanos têm uma cultura mais anglófona. Se um empresário português for a Moçambique, rapidamente vai entender o que tem que fazer, porque não há muita diferença; se um angolano for para lá, idem; mas se um sul-africano for para Moçambique vai ter muitas dificuldades e vai interpretar isso como corrupção. Porque o processo cultural de negócio é diferente. Eles têm um regime mais simplificado e nós temos aqueles processos todos de comércio internacional complicadíssimos, papéis em cima de papéis e carimbos de carimbos.

Não pensa voltar á política?

Não faz parte dos meus projetos. Mas aprendi nunca dizer nunca.

Portanto, não exclui a hipótese de um dia ser candidato a presidente?

Não, nunca disse isso. Apesar de não ser a primeira pessoa que pergunta. Talvez pela minha visibilidade. Mas estou a fazer o que eu gosto de fazer.

Mas o partido nunca o chamou?

Não. Estou presente sempre que é necessário e para os grandes feitos mas a minha grande contribuição ao país tem sido via empresarial.

Quantos postos de trabalho já criou ao longo da sua vida?

Neste momento tenho mais de 2500 empregos criados no meu grupo. E continuo a criar, e essa é uma das minhas grandes felicidades. Tenho projetos ambiciosos. Eu agora mandei fazer um levantamento e, cruzadamente, chegámos a 77 associações empresariais. Muitas não são estratégicas para mim. Então, o que fizemos foi orientar alguns setores específicos – o energético, que foi a génese da minha criação; o de telecomunicações; o agrícola, que eu acredito que os nossos países, na agricultura, têm muito para dar; e depois um pouco daquilo que são áreas do setor financeiro, onde estou com o Américo Amorim, com a Visabeira. Eu detinha uma empresa, a Eletrotec, que era 100% da Intelec, e achei que podíamos colocar a Visabeira. Eles compraram 49% e são os nossos sócios. No têxtil, juntei três empresas portuguesas do Norte e reerguemos uma indústria que esteve 20 anos fechada, a Riopele.

A antiga Riopele.

Agora chama-se MCM. E vai gerar muitos postos de trabalho. Está a dar a luz de novo a um distrito de Maputo que é o Marracuene. Com Américo Amorim, estamos a fazer uma plantação de soja interessante, com um parceiro brasileiro.

Um exemplo do triângulo CPLP: Moçambique, Portugal, Brasil.

São estas coisas que a gente deve mostrar como exemplo. A minha visão é empresarial. Se um dia for chamado a algo mais que eu possa contribuir com eficiência, eu irei fazê-lo. Mas a minha ambição é esta: ser um empresário de referência. Em mercados marginais como os nossos, muitas vezes o que conta são as perceções e a ambição de uma grande maioria dos jovens é quererem ser esses funcionários públicos, ser políticos porque acham que é dali que vão sobreviver. E eu quis dar um exemplo diferente.

Porque decidiu ser líder da confederação empresarial da CPLP?

A CPLP deixou de ser um projeto, passou a ser uma causa. Eu verifiquei que a instituição tem muitas carências e não era mais do que uma instituição de charme. Um clube de amigos. Então achei que tínhamos de ter um plano estratégico, de preparar algo consistente para podermos influenciar a parte política. E durante este processo, então começou a despertar dentro dos vários países a necessidade de se reconfigurar e dar uma outra vida à confederação. A CPLP tinha de ser mais económica, para dar alguma solidez às relações que se vinham criando, que eram mais linguísticas, culturais, por aí fora. E para isso era preciso que houvesse uma direção executiva eleita. Fizemos um plano para cinco anos e fomos a esta candidatura em novembro. Eram duas listas e a minha ganhou. Nove países, nove votos: é muita responsabilidade.

Esta dimensão empresarial e económica fazia falta, tendo em conta que a dimensão política existe?

Eu penso que a política e o empresariado devem andar casados. São dois pilares importantes a partir dos quais se geram outros pilares.

Mas a CPLP é um projeto ameaçado, neste momento?

Eu não gostaria de abordar pela parte negativa. Eu acho que esteve ameaçado porque não havia pragmatismo. Quero valorizar um pouco a visão do atual secretário executivo. Quando peguei na liderança da confederação, conversámos e vimos que, de facto, uma CPLP sem uma parte económica que dê consistência será uma CPLP adormecida. Se nós conseguirmos reunir estas energias e dar alguma consistência no pilar empresarial-económico vai certamente interessar, é um valor acrescentado. O Brasil com a presidência Lula, estava a olhar para a CPLP e os PALOP com uma outra dimensão, infelizmente, se calhar, a presidente Dilma não é que tenha largado o projeto, mas encontrou outros…

Outros interesses?

Outros problemas, não teve o mesmo momento que o Lula e deu menos importância à CPLP.

Mas isso resulta da existência dos problemas para resolver? Estando num momento de pujança, o Brasil olha para a CPLP como uma espécie de perda de tempo, porque tem outros parceiros potencialmente mais atrativos?

A liderança do Brasil pode ter prioridades.

E a CPLP deixou de ser uma delas?

Não sei se deixou ou se tem menos visibilidade. Mas às vezes tem que ver um pouco com o protagonismo que os líderes políticos pretendem chamar a si próprios e, através de si, aos países. Por exemplo: muitas vezes eu já ouvi dizer que a CPLP é Portugal. Não faz sentido, 40 anos depois das independências, continuarmos a alimentar aquilo que não existe. Há que eliminar o passado, olhar o presente e o futuro.

No fundo, é acabar com o complexo de colonizador e colonizado.

Exatamente. Esses tabus têm de ser despidos para nós olharmos para aqui como sobrevivência da comunidade da CPLP. Fortificá-la economicamente. E é através da fortificação económica que depois vamos fortificar a cultura, a nossa influência no mundo. Portugal tem a desvantagem de ter sido um país colonizador, que sempre marca esta desconfiança. Mas tem a vantagem de ser um país da CPLP que está na Europa – com acesso à tecnologia, à influência política global que pode transportar e ajudar os países seus irmãos, que estão num país emergente, contra a estratégia global do Ocidente que muitas vezes não lhes permite tão facilmente serem países de sucesso. Moçambique, por exemplo, tem tudo para dar certo.

Recentemente houve tentativas de desestabilização da Renamo…

Mas isso o que é? Para mim, como empresário, não é mais de que uma tentativa de influência externa, mais do que interna. Porque o reerguer de um partido que esteve tão adormecido, para depois aparecer com ameaças de guerra civil, numa altura destas, um partido que tem assento no Parlamento, que tem tudo para nos ajudar e fazer um granjeamento das massas populares com influência política, aparece hoje a ameaçar com a guerra. De onde é que vem? Não é de dentro.

Quem é que tem medo do sucesso de Moçambique?

Não sei. Mas daquilo que vou aprendendo na geopolítica, penso que os dominadores das economias globais são os que não querem que as outras economias apareçam. Às vezes as superpotências continuam a querer o protagonismo dominador das economias globais e criam estratégias que mancham e inibem o processo dos países que querem criar uma estabilidade, mesmo demonstrando as democracias internas. Apesar de eu achar que o mesmo sistema político não deve ser igual em todos os países. Eu fui recentemente à Guiné Equatorial…

Eu ia perguntar-lhe isso.

Fui com uma delegação forte. A maior parte dos empresários que me acompanhavam eram portugueses, éramos cerca de 30. Não houve um único depois do balanço, que não estivesse surpreendido com aquilo que vimos na Guiné Equatorial. Antes estávamos críticos, porque consumíamos aquilo que líamos na imprensa. Mas o que vimos!

Mas isso também se pode construir.

Tudo se pode construir. Mas aquilo que vimos, o desenvolvimento e as infraestruturas – as casas, a qualidade de standard de vida das pessoas - deixa para trás muitos dos nossos países, em que a gente olha para o lado e vê bastante pobreza, criminalidade em países muito mais democratizados, se calhar. A Guiné Equatorial tem eleições. Eh pá, se eles dominam o sistema ou não… Eu olhei para a Guiné Equatorial e lembrei-me do Dubai. Porque o Dubai é um país que tem o sistema que tem e eu percorri aquilo ao longo da autoestrada de ligação de uma estrada para a outra e vi o desenvolvimento. Eles constroem casas sociais para a população, água, acesso, energia. Do que vi na Guiné Equatorial, isto é a parte positiva. Também há o resto. Por exemplo: a pena de morte…

Tem como prioridade a livre circulação de pessoas, bens e capitais.

Acredito que mobilidade vai resgatar a afinidade na CPLP. Uma grande parte da comunidade da CPLP está no setor informal. E o setor informal é assegurado pelas mulheres, que viajam, fazem os seus negócios de trade, de compra e venda, de pequena dimensão, mas alimenta muito. As mulheres moçambicanas, por exemplo, são as que mais viajam para ir comprar ao Dubai, à África do Sul, à Malásia. Mas muitas têm dificuldade com a língua. Se nós abrirmos o espaço, elas, que falam português, vão preferir ir ao Brasil ou a Portugal fazer este intercâmbio.

A venda da TAP pode prejudicar a existência de rotas prioritárias para os PALOP?

Para as ambições da CPLP, pode ser um grande handicap, porque, de facto, a TAP é um parceiro estratégico. É a única companhia nos CPLP que faz a ligação com quase todos, senão todos, os países. Mas penso que eles não devem abandonar este mercado porque tem potencial. Nos mercados que sustentam a TAP estão Angola, o Brasil e Moçambique.

Quais são as barreiras à construção da comunidade de livre circulação na CPLP?

A primeira é a inércia, porque todos falamos da necessidade mas pouco está a ser feito. Vejo nos comentários nas redes sociais que muitos da nossa comunidade, entre os 15 e os 35 anos, sentem-se mais inseridos na SADC do que na CPLP. Dizem: “Como é que somos comunidade se eu para ir para Angola ou para Portugal tenho de andar com vistos e às vezes nem consigo? Se quero ir à África do Sul pego no meu carro e vou amanhã, ou pego no avião e vou para o Zimbabwe.” Não nos esqueçamos de uma coisa: a língua no impacto da empresa tem um custo de 17%.

Em termos de custos?

Custos. Muitas vezes mede-se isto como uma coisa supérflua, porque a nível das grandes empresas os gestores falam várias línguas, mas quando desce para o 2º ou 3º nível de gestão, a língua é extremamente importante, é um asset.

Como é que um empresário moçambicano olha para o que se passa hoje na Europa?

Com muita preocupação. Nós, empresários, temos muita ligação à Europa e a Europa começa a demonstrar algumas fragilidades… Mas penso que a Europa está num estágio político mais maduro, que saberá contornar este percalço.

E como vê o papel da Alemanha no contexto europeu?

Diria que não devemos querer o mal da Alemanha, assim como nós em Moçambique não queremos o mal da África do Sul. No dia em que a África do Sul não tiver comida nas prateleiras, nós nem prateleiras vamos ter. Se a Alemanha afundar, a Europa vai ser muito mais afetada – é o motor da Europa. Quanto melhor for, mais a Europa vai crescer. Portugal é um país que eu olho com alguma preocupação, porque é um país da CPLP e está a fazer um grande esforço para atravessar a crise, e tem esse mérito, mas é muito autodestrutivo… os portugueses têm as infraestruturas ideais, um clima ideal, culinária e gastronomia supra, que pode ser a grande meca do turismo para a Europa. Mas tem de criar autoestima.

Esse é um dos problemas dos portugueses, a falta de autoestima?

Não é só dos portugueses, é um problema lusófono.

Somos autofágicos, não é?

É. Olho para Portugal aqui há dez anos e fico espantado: investiu bem, criou infraestruturas… é de mais? Nunca é de mais. Agora tem o turismo – eu vou investir no setor hoteleiro, em Portugal.

Salimo é muçulmano. Pratica?

Não me considero um bom muçulmano. Nasci muçulmano e acho que a religião é uma forma de educação. Nada mais. Tenho parte da família cristã, católica, e parte muçulmana.

Aliás, é casado com uma cristã.

Sim. Acredito que as três religiões monoteístas têm a mesma forma. Portanto, se me perguntar se há alguma diferença entre as religiões digo que não. Há sim na cabeça dos fanáticos.

Como olha para o Estado Islâmico?  

Com muita preocupação. Estão a usar a religião para fins obscuros. O poder, a destruição, tudo menos o que é a religião: a paz, o equilíbrio e amor ao próximo. Isto é crime, é assassínio.

Vai aos Estados Unidos com frequência. Nunca teve problemas por ser muçulmano?

Graças a Deus, nunca.

Foi importante para si haver um presidente negro nos EUA?

Para mim, a questão da raça não é importante. Mas foi um sinal. 


Nuno Saraiva – Portugal in “Diário de Notícias”