Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

quarta-feira, 28 de setembro de 2016

Para se fazer poesia, não basta emoção

                                                             I 
Do que se faz um poeta? Dar resposta a essa pergunta não é tarefa das mais fáceis, mas, para enfrentar esse desafio, o poeta Anderson Braga Horta aceitou prestar um depoimento ao poeta, jornalista e professor de Literatura Brasileira da Universidade Federal da Paraíba, Sérgio de Castro Pinto. É esse depoimento o texto que encerra e dá titulo ao seu mais recente livro, Do que é feito o poeta (Brasília: Thesaurus Editora, 2016), em que o escritor faz um retrospecto de uma carreira com mais de seis décadas, além de reunir textos extensos e breves a respeito de autores ainda atuantes como Afonso Ligório, Alaor Barbosa, Antonio Miranda, Edson Guedes de Morais, Fabio Coutinho, José Jeronymo Rivera, Sânzio de Azevedo e Viriato Gaspar, ao lado de outros que já subiram para o andar de cima, como Fontes de Alencar (1933-2016), Romeu Jobim (1927-2015), José Geraldo Pires de Mello (1924-2010) e Luiz F. Papi (1922-2009)

Embora esta não seja uma obra complementar a Sob o signo da poesia (Brasília: Thesaurus Editora, 2003), como se percebe pelos nomes alinhados no parágrafo acima, é marcante neste livro a presença maciça de autores que fizeram sua vida profissional e literária na Capital da República. Do livro fazem parte ainda textos diversos, como resenhas de livros e comentários sobre o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, de 1991. Neste particular, para rematar, há um texto curioso, como se pode constatar já por seu título, “O perigo dos omens vermellos ow o paiz amarelo (notas para uma Novela Ortográfica)”.

No depoimento “Do que é feito o poeta”, Braga Horta, além de descrever alguns dados pessoais e rememorar detalhes da infância e juventude, faz a sua profissão de fé poética, ao defender que não basta inspiração para que alguém se torne um bom poeta, argumentando que é necessário também assenhorear-se das técnicas do verso, o que, aliás, não se vê na maioria dos versejadores de hoje. E lembra: “(...) o poeta há de comover-se e comover, sim, mas não se há de entregar, ingenuamente, à emoção desassistida da inteligência, porque a emoção, por si só, não é ainda arte, não é ainda poesia”.

Ainda nesse depoimento, Braga Horta chama a atenção, de forma subliminar, para um paradoxo: embora o Brasil reconhecidamente hoje apresente baixo desempenho no âmbito da Educação, nunca se viram tantos poetas como agora. O triste é que, na maioria, são poetastros que mal conseguem disfarçar o fraco domínio que têm do idioma.

A leitura desse depoimento vem bem a propósito, pois coincide com a intenção do atual governo de impor mais uma reforma no currículo escolar do ensino fundamental e médio, novamente com o disfarçado objetivo de facilitar o percurso do aluno. Não é à toa que se formam cada vez mais pessoas semi-alfabetizadas, mas diplomadas, inclusive no ensino superior. Neste caso, basta ver o tempo que se levava para se concluir um curso de mestrado ou doutoramento numa universidade pública há vinte ou trinta anos e compará-lo com o que se leva nos dias atuais. Hoje tudo é mais fácil. 
                       
                                                           II
De autores ligados à Brasília, dois dos textos que se destacam são aqueles em homenagem a José Jeronymo Rivera. O primeiro, “José Jeronymo Rivera, poeta e tradutor”, de quando de sua entrada na Academia de Letras do Brasil em 11 de agosto de 2004, e o segundo, “Da privilegiada formação de um grande poeta-tradutor”, referente à sua admissão à Academia Brasiliense de Letras, em 20 de março de 2014.

De se ressaltar é que tanto Braga Horta como Rivera estudaram, no começo da década de 50, no Colégio Leopoldinense, na pequena cidade de Leopoldina, na Zona Mata de Minas Gerais, um quarto de século depois de passar por lá um futuro médico que ficaria muito conhecido em Coimbra: Adolfo Rocha (1907-1995), nascido em São Martinho de Anta, Sabrosa, em Portugal, que, ao voltar à pátria, mais tarde, debaixo do pseudônimo Miguel Torga, haveria de se tornar um dos maiores escritores da Língua Portuguesa do século XX. Braga Horta e Rivera descobriram a poesia, praticamente, naqueles tempos mineiros e continuaram amigos inseparáveis em Brasília, unidos também por laços familiares.

Segundo o autor, Rivera, se abandonou precocemente e de maneira injustificada a prática do poema, já em Brasília, haveria de continuar ligado à poesia como tradutor. E, de fato, desde então, tem legado magistrais traduções de poesia espanhola e francesa para a Língua Portuguesa. Não satisfeito, ainda se dedica por estes dias ao estudo do grego moderno para, com certeza, enriquecer a Língua Portuguesa com novas traduções de obras de poetas helênicos.

                                                           III
Anderson Braga Horta (1934), nascido em Carangola, Minas Gerais, formou-se em 1959 pela Faculdade Nacional de Direito da Universidade do Brasil-RJ. Jornalista, professor e poeta de reconhecido prestígio na América Latina, foi diretor legislativo da Câmara dos Deputados e co-fundador da Associação Nacional de Escritores (ANE). É membro da Academia Brasiliense de Letras e da Academia de Letras do Brasil.

Predominam em sua obra títulos de poesia, como Altiplano e outros poemas, de 1971, seguido de Marvário, Incomunicação, Exercícios de homem, O pássaro no aquário, reunidos, com inéditos, em Fragmentos da paixão (São Paulo: Massao Ono, 2000), que obteve o Prêmio Jabuti de 2001, mais Pulso (São Paulo: Barcarola, 2000), Quarteto arcaico (Guararapes, 2000), 50 poemas escolhidos pelo autor (Rio de Janeiro: Galo Branco, 2003), Soneto antigo (Brasília: Thesaurus Editora, 2009), De uma janela em Minas Gerais – 200 sonetos (miniedição em 4 volumes, 2011), e Tiempo del Hombre: selección elemental bilingüe español-portugués (Ciudad de Lima: Maribelina/Casa del Poeta Peruano, 2015).

Na linha da crítica e da ensaística, publicou pela Thesaurus Editora: Erotismo e poesia (1994), opúsculo, Aventura espiritual de Álvares de Azevedo: estudo e antologia (2002), Sob o signo da poesia: literatura em Brasília (2003), Traduzir poesia (2004), Testemunho & participação: ensaio e crítica literária (2007), Criadores de mantras: ensaios e conferências (2007), e Proclamações (2013).

No segmento de contos, publicou Cinco Histórias de Bichos (opúsculo), 2004; O Benzedor de Cobras (opúsculo), 2006; Cinco Histórias de Bichos/Fünf Tiergeschichten (opúsculo), tradução de Curt Meyer-Clason, 2008, e Pulso Instantâneo, 2008. Como tradutor, publicou mais de vinte livros, entre poesia e prosa. Já conquistou 15 prêmios literários. Adelto Gonçalves - Brasil

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Do que é feito o poeta, de Anderson Braga Horta. Brasília: Thesaurus Editora, 412 págs., 2016, R$ 35,00. E-mail: sac@thesaurus.com.br Site: www.thesaurus.com.br
  
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Adelto Gonçalves, mestre em Língua Espanhola e Literaturas Espanhola e Hispano-americana e doutor em Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo (USP), é autor de Os vira-latas da madrugada (Rio de Janeiro, José Olympio Editora, 1981; Taubaté, Letra Selvagem, 2015), Gonzaga, um poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002), Bocage – o perfil perdido (Lisboa, Editorial Caminho, 2003), Tomás Antônio Gonzaga (Academia Brasileira de Letras/Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2012), e Direito e Justiça em Terras d´El-Rei na São Paulo Colonial (Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2015), entre outros. E-mail: marilizadelto@uol.com.br

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