Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

sexta-feira, 7 de outubro de 2016

Angola – Os factos da quinzena XII

Os Factos da Quinzena

Para quando o sobrevoo do espírito de Mandela sobre a nossa África?!

1º Facto: Minha intervenção como convidado ao II Congresso da CASA-CE (06/09/16)

“Sinto-me bastante honrado pelo convite que o meu irmão Abel me endereçou, consabidamente, com a aprovação de muitos militantes e amigos da CASA-CE. Desde logo, demonstração de aproximação com figuras independentes, incluindo aquelas que, como eu, contestam veementemente o regime implantado pelo actual Presidente da República, a todos os títulos contraproducente, especialmente, quando nos encontramos há 14 anos do silêncio das armas, onde se esperaria que a sua experiência o encorajasse a trabalhar para a consolidação do Estado Democrático e de Direito, antes de uma retirada honrosa – porque verdadeiramente conciliatória – depois de tantos anos no mais alto posto do Estado.

O nascimento e relevância cada vez mais crescente da CASA-CE no panorama político-partidário angolano, que se reflete na representação nacional e internacional neste Congresso, acontece, justamente, durante os últimos tempos deste período, caracterizado por aquilo a que já se vai cristalizando como a concepção “eduardista” do poder, que consiste na montagem de todas as principais instituições, à volta do Presidente da República. É, naturalmente, este modelo, que vai tornando as estruturas dos Estado cada vez mais anémicas, que é a mãe de tudo o que de pior temos vivido, nestes anos de paz, quando se esperava pela atenuação de muitos males provocados pela guerra: o autoritarismo, a irresponsabilidade das estruturas político-administrativas centrais e locais, a corrupção como regra imperante no dia-a-dia, aliás, a destruição de todos os diques de natureza ética, moral e jurídica, que alguma vez puderam conter excessos, a partir dos escalões mais altos do poder e de instituições e entidades da própria sociedade civil, “obrigados” a acomodar-se ao sistema.

É evidente que tudo isso tem as suas consequências, que neste preciso momento se procura diluir na situação conjuntural que afecta todo o Mundo, especialmente os países que vivem (viviam) apenas da venda de commodities, ou seja da abundância de recursos naturais. Mas, sintomático é que fruto da irresponsabilidade e da arrogância de dignitários do estado a todos os níveis, apoiados numa repressão brutal (como a que se abate sobre jovens preocupados com o prevalecente status quo político-institucional actual, que a manipulação do sistema de poderes coordenados pela Presidência da República procura fazer passar despercebida), esta máquina que nos governa, mais cruel do que o colonialismo nos últimos anos, não para, nos seus excessos. Por exemplo neste momento, já acentuadamente, pré-eleitoral e com o custo de vida e sistema de saúde colapsado, o Executivo angolano não se coíbe, de remover populações de zonas onde se acolheram nas condições difíceis de guerra, sem olhar para o que diz a lei sobre este processo. Estas populações vêm as suas casas destruídas no meio de tiros de soldados pertencente a comissões superiormente constituídas. Enquadram isso na chamada “acumulação primitiva do capital” de alguns angolanos, já que os colonos “brancos” fizeram a sua, em séculos passados. Entretanto, ninguém terá onde queixar-se, em tempo útil, porque as primeiras tentativas de fazê-lo, no sistema judicial, receberão a generalizada máxima do “são ordens superiores”. Mais tarde o Tribunal Supremo e ou o Tribunal Constitucional até poderão admoestar os escalões inferiores da justiça, pela sua suposta incompetência técnico-jurídica, entretanto o mal já está feito: foram demolidas as casas e enterram-se os mortos, incluindo crianças; ficou-se sem os meios imediatos de subsistência; as crianças e estudantes jovens ficaram sem escola, porque transladados arbitrariamente. Os partidos políticos não se devem envolver muito nisso porque podem ser apodados de agitadores pela poderosa máquina comunicativa do regime. Entretanto, o parlamento nacional não pode interpelar governantes do pelouro ou constituir uma comissão de inquérito para o efeito porque proibido por uma “lei” do Tribunal Constitucional, isso mesmo, “lei” do Tribunal constitucional que aqui legisla, em casos estratégicos.

Como se vê, se isto é apenas um exemplo indesmentível, é mister ser feita uma luta sem tréguas, contra este novo colonialismo interno (negro, como alguém o chamou), contando que deve ser pacífica, visto ser tanto o sangue que já se derramou neste país. E já que estão aqui outras distintas representações africanas, devo dizer que esta luta devia inserir-se num contexto mais amplo no continente africano, em que em muitos países se assiste à construção de tantos outros “eduardismos”, uns mais subtis do que outros, mas todos a exigir o percurso de um novo pan-africanismo.

É por essa complexidade que, numa luta em que como diz a sabedoria popular, nem todos os ovos devem ser colocados no mesmo sexto, eu tenho ocupado, para o desgosto de alguns, o lugar que ocupo. Depois de muitos anos e muita idade a actuar na directa plataforma político-partidária, eis-me aqui, disponível para colaborar com todos que, como a CASA-CE, para além da pura e legítima luta pelo voto e assentos nas instituições do Estado, estão fundamentalmente interessados em transformar material e pacificamente a realidade jurídico-política e institucional de Angola, mãe dos nossos principais problemas.”

Agradeço profundamente à CASA-CE e ao seu Presidente cessante a oportunidade que me deram para poder dizer essas palavras.”

2º Facto: Os debates com um Embaixador Itinerante de Angola

E na sequência dos debates internos, aparentemente controlados, quanto á profundidade dos temas, temos estes animados debates com um embaixador itinerante por europas e américas, sempre bem apetrechado de falácias, com tão pouco a ver com a realidade material.

Astuto, o criador desta ementa de ilusões que ainda não levaram ninguém, que eu tenha seguido, entre os prós e os contras, a interrogar-se sobre a razoabilidade deste mecanismo sorvedor, decerto, de algumas despesas do Estado, em tempo de crise. Aqui não se coloca dúvida alguma sobre tratar-se de mais uma acção “atípica” do Presidente Santos de tentar tornar simpática, lá fora, uma cara que é tão severa aqui dentro, contra quem quer que seja que apenas pense em exercer e gozar dos eus direitos e liberdades, ou espere, ao menos, alguma condescendência para que lhe deixem intacta a sua casa, num momento de tanta carestia de vida.

3º Facto: Eleições e violência no Gabão

Apanágio da África, este de imitar os formalismos importados do Ocidente, sem correspondência material. Do que tenho estado a falar, no caso de Angola. Não se discutem os mecanismos do Estado que sosseguem todos os agentes políticos antes de eleições que só servem para agradar quem as quer realizadas como uma questão de ritual. Há um dia que as coisas rebentam. E populações são mobilizadas para novas ilusões. Para quando o sobrevoo do espírito de Mandela sobre a nossa África?!

4º Facto: O burkini e a obsessão de integração e assimilação cultural, em França

É caso para dizer que os extremos se tocam. Se condenamos o fundamentalismo “jihadista”, como entender que mulheres muçulmanas, na avançada e tolerante Europa, sejam obrigadas a atirar-se para as águas das praias francesas, com vestimentas ocidentais? Como está excluída a ideia do “olho por olho e dente por dente”, na base de tal assimilacionista atitude, só se pode enquadrar na velha ideia colonial de integração e assimilação cultural dos “outros”. Mas, reconheça-se, a ideia não teve livre curso, impedida pelos mecanismos fortes das instituições ocidentais. Marcolino Moco – Angola in “Moco Produções”
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Marcolino José Carlos Moco – Nasceu em Chitue, Município de Ekunha, Huambo a 19 de Julho de 1953Licenciado em Direito e mestre em Ciências Jurídico-Políticas pela Universidade Agostinho Neto, e doutorando em Ciências Jurídico-Políticas na Universidade Clássica de Lisboa. Advogado, Consultor, Docente Universitário, Conferencista. Primeiro-ministro de Angola, de 2 de Dezembro de 1992 a 3 de Junho de 1996 e Secretário-Executivo da CPLP – Comunidade dos Países de Língua Portuguesa – de 1996 a 2000. Governador de duas províncias: Bié e Huambo, no centro do país, entre 1986 e 1989, Ministro da Juventude e Desportos, 1989/91.  



Marcolino Moco & Advogados - Ao serviço da Justiça e do Direito

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