Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

sábado, 30 de abril de 2016

Macau - Cerimónia de Encerramento do Colóquio de Capacitação das Pequenas e Médias Empresas dos Países de Língua Portuguesa



















Realizou-se no passado dia 28 de Abril de 2016, no Secretariado Permanente do Fórum para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa (Macau), a Cerimónia de Encerramento do “Colóquio de Capacitação das Pequenas e Médias Empresas dos Países de Língua Portuguesa” do Centro de Formação do Fórum de Macau, ministrado pela Universidade da Cidade de Macau.

A cerimónia de encerramento contou com a presença das seguintes personalidades: Secretário-Geral do Fórum de Macau, Dr. Chang Hexi; Chefe da Delegação Comercial do Departamento dos Assuntos Económicos do Gabinete de Ligação do Governo Central da República Popular da China na RAEM, Dra. Gong Youying; Coordenador-Adjunto do Gabinete de Estudo de Política do Comissariado do Ministério dos Negócios Estrangeiros da República Popular da China na RAEM, Dr. Li Yang; Cônsul-Geral da República de Angola na RAEM, Dra. Sofia Pegado da Silva; Cônsul-Geral da República de Moçambique na RAEM, Dr. Rafael Custódio Marques; Cônsul Honorário da Guiné-Bissau em Macau, Dr. John Lo; Secretário-Geral Adjunto (indicado pelos Países de Língua Portuguesa) do Fórum de Macau, Dr. Vicente de Jesus Manuel; Secretária-Geral Adjunta (indicada pelo Governo da RAEM) do Fórum de Macau, Dra. Cristina Morais; Reitor da Universidade da Cidade de Macau, Prof. Zhang Shuguang; Coordenadora do Gabinete de Administração do Fórum de Macau, Dra. Zhang Jie; Coordenador do Gabinete de Ligação e Delegado da Guiné-Bissau, Eng. Malam Camará; chefe rotativo do Colóquio, Dr. Rafael de Andrade e Silva Campelo; e Delegados dos Países de Língua Portuguesa junto do Fórum de Macau.

O Secretário-Geral Adjunto do Fórum de Macau, Dr. Vicente de Jesus Manuel, o Reitor Prof. Zhang Shuguang, bem como o Chefe rotativo do Colóquio, Dr. Rafael de Andrade e Silva Campelo, proferiram discursos na cerimónia de encerramento.

Trata-se do primeiro colóquio realizado pelo Centro de Formação do Fórum de Macau este ano. O colóquio contou com a participação de 24 formandos provenientes de câmaras de comércio e do sector empresarial respectivamente do Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal e Timor-Leste. A iniciativa realizou-se em Macau, entre os dias 15 e 28 de Abril.

O colóquio teve como principal objectivo disponibilizar uma plataforma de estudo e de intercâmbio para os vários participantes. Durante a estadia em Macau, foram leccionadas várias palestras temáticas e os participantes tiveram, ainda, a oportunidade de realizar várias visitas de prospecção e estudo em Jiangmen e Guangzhou, participando nas actividades da “Semana Dinâmica de Macau em Jiangmen, Guangdong” e tendo ainda, no decurso da formação, realizado um intercâmbio com autoridades e empresas locais.

Durante a acção de formação, foram igualmente aprofundados conhecimentos sobre o desenvolvimento das empresas do Interior da China e de Macau e sobre a Plataforma de Serviços Económicos e Comerciais de Macau para as Pequenas e Médias Empresas dos Países de Língua Portuguesa. A formação procurou ainda elevar conhecimentos dos formandos sobre a gestão de Pequenas e Médias Empresas dos Países Língua Portuguesa, divulgando oportunidades e formas de aproveitamento da plataforma para a cooperação económica e comercial oferecida por Macau. In “Fórum Macau” - Macau

Angola – Os factos da quinzena III

Os Factos da Quinzena

Outra quinzena que finda, com vários factos notáveis. Comento alguns, segundo a interpretação que deles faço. Mas tenho para mim que o mais destacado foi a celebração do 14º aniversário do fim da guerra civil, em Angola, sua forma e significado sub-reptício induzido por quem nos governa.

1º Facto

José Eduardo dos Santos felicitou, calorosamente, o seu homólogo Sassou Nguesso, pela retumbante vitória que comentamos na quinzena passada, onde grassa o desrespeito por consensos anteriormente estabelecidos; nesta nossa África que volta a assistir à formação de um sindicado de Chefes de Estado que não olham para os golpes jurídico-constitucionais desestabilizadores que eles próprios desencadeiam, para se dedicarem, em seguida, a vigiar, de forma cerrada, qualquer ideia de outros tipos de apenas imaginados golpes. Ainda assim, exigem absoluto respeito a si e ao Continente que consideram seu, a partir do dia em que, de algum modo “tomam o poder”.

2º Facto

O escândalo do Processo dos 17 continuou a fazer eco a nível nacional e internacional, e desta vez (que não seja só pela desvalorização do chamado ouro negro), com impacto tão forte que se abafaram vozes de embaixadores itinerantes. Queira Deus que assim continue. Males que vêm por bem, e depois do alerta dos bispos, talvez, humanos, comecemos minimamente a ocupar o nosso lugar em Angola, no lugar de simples cinzas da natureza inanimada.

3º Facto

Aconteceu a condenação de Calupeteca (28 anos de prisão vs 24 anos de pena máxima, prevista na lei) e acompanhantes, nas lides de uma estranha fé, como, pelo menos, se propala. Como cidadão observador do que se tem passado neste país, não é difícil deixar-me tentar pela conclusão de que estaremos perante mais um caso atípico, no interesse de quem quer reforçar a mensagem de que “quem manda, manda; quem não manda cumpre”. Como jurista que, ocupado em outras lides, não se debruçou profundamente sobre o processo, numa área que não é da minha especialidade (não é o caso do Processo dos 17), fico-me, por enquanto, pela surpresa da existência de um cúmulo criminal que extravasa de tal forma a moldura penal máxima. Mas, não se diga que o problema reside nos nossos códigos de normas substantivas e adjectivas que nos vêm de recuados tempos coloniais, sem terem sido substituídos até hoje, 40 anos depois da independência. O problema não deveria residir aí, nesta mera questão de forma, pois, quem chega a juiz, conhecendo bem o espírito e a ratio de um estado proclamado democrático e de direito, deveria saber com que linhas se coser, especialmente, no âmbito de uma filosofia e uma metodologia jurídicas que lhe correspondem. Aqui sim, posso aceitar a paciência de esperar pelo douto acórdão do Tribunal Supremo, para o qual ainda reservo alguma réstia da minha consideração, pelo menos para matérias de natureza semelhante.

4º Facto

Que problema é este que se restabelece em Moçambique, após um processo de “pacificação” que parecia bem mais exemplar que o angolano; onde não fora necessária a eliminação física de quaisquer dos principais protagonistas da menos prolongada guerra civil, principal mérito do ex-presidente Joaquim Chissano, na altura em funções e que hoje, fora da cadeira presidencial, nos surpreende com um apelo por uma solução menos “mandelista”, provavelmente, mais “angolana”? Narcisismo intelectual à parte, invoco, novamente, a minha última obra, “Angola: estado-nação ou estado etnia política?”, em que Angola aparece como caso de estudo, em torno da desadequação do modelo do estado-nação euro-ocidental à realidade, particularmente, da África sub-saariana, o que não justifica a superveniência de soluções “chico-espertas” como regimes do tipo “eduardista (pós-paz)” ou outras precipitações.

5º Facto ou o imbróglio do presidente Jacob Zuma, na África do Sul

Na minha reflexão, na obra acima referida, afinal muito próximo daquilo que Lopo do Nascimento refere no breve discurso de despedida da vida política, na Assembleia Nacional, apresento (como disse na quinzena anterior, a propósito do relativa serenidade em sucessivas eleições cabo-verdianas) o modelo sul-africano como mais perto do que seria ideal, nos estados continentais de África: relativo reconhecimento das especificidades étnico-regionais e a inclusão político-institucional da “componente branca”, reconhecida como indispensável no completamento da construção do estado moderno em África, desencadeado pela ocupação política efectiva do Continente pela Europa, não obstante os traumas provocados à generalidade dos autóctones africanos, durante a colonização. Embora, perante o exemplo do Zimbabwe, com uma arquitectura inicialmente semelhante, e perante, quiçá, a lentidão da efectivação de alguns actos de discriminação positiva que se impõe em certos casos, para obviar as discrepâncias do passado colonial, a garantia de prevalência do modelo não seja absoluta. A atestar a relativa eficácia do modelo sul-africano é ver como um chefe de estado, como Zuma, foi obrigado, ao menos, a pedir desculpas pelos seus excessos, ouvindo críticas abertas de alguns correligionários do seu próprio poderoso ANC, sem falar da permissão do “barulho” da oposição” e de um pronunciamento desfavorável do Tribunal Constitucional. Imagine-se uma comparação com a situação de Angola, onde perante os comportamentos mais anómalos do Executivo, em tempo de paz, quem deve tremer é quem reclame, com as vozes de deputados da oposição engavetadas, e, cá fora, os mais ousados assustados dentro dos seus lares e locais de trabalho, quando não enjaulados por juízes, sem dó nem piedade. E o poderoso MPLA tornado muralha, em defesa do “chefe” e dos seus. O mesmo se passa por muitas das nossas áfricas, em estados que, incapazes de absorverem as diferenças, autênticas máquinas de exclusão do que seja estranho a “quem manda”, se tornaram permanentes plataformas de explosão de conflitos. Daí o atraso endémico, em que nos encontramos, estou convencido. Caso para a UA, quiçá a ONU se debruçarem sobre esta situação em moldes mais estratégicos, em vez de viverem em constante e dispendiosa situação de bombeiros.

6º Facto

No quadro que acaba de ser descrito, celebrou-se o 4 de Abril, dia da Paz que marcou o fim de uma prolongada guerra civil, em Angola, cuja natureza verdadeira é ainda tabu aprofundar. Nem vou eu tentar fazê-lo aqui, espaço tão curto para me meter em aventura tamanha.

Depois do 4 de Abril, o poder em Angola, aparentemente, o mesmo que já justificou a sua essência para defender a “superior” causa da construção do “socialismo real” e, depois das eleições de 1992, para evitar a vulgarização do desprezo pela vontade popular através do voto, não precisa agora de se justificar para nada. Faz, desfaz e encobre (ou nem precisa de fazê-lo). Bem se vê porque se evitou falar sequer de uma espécie de “justiça de transição” (que desde então, pessoalmente, sempre defendi) para que a reconciliação nacional permaneça o que hoje temos: uma suposta oferta de vencedores (que celebram todos os anos as glórias das batalhas de Kifagondo e Cuito Canavale), contra vencidos que para sobreviverem têm de alinhar com um discurso retrospectivo, que tende constantemente a torcer e contorcer os nossos pescoços, para que nossos olhos se voltem permanentemente para as supostas glórias de um passado, enquanto os problemas do presente nos dilaceram. Assim é que, se bem o ouvi, um antigo cabo de guerra, perante o colapso da saúde, o acumular de lixos nas principais cidades de Angola e com uma alta assustadora de preços de produtos básicos a penalizar a maioria, tudo devido à usurpadora ganância e à irresponsabilidade gestora em “tempo de vacas gordas” (e não propiamente por guerras antigas ou mais directamente pela súbita baixa do preço do petróleo, como bem o frisaram os bispos de Angola), surpreende-nos com este despropositado apaga-fogo: o de que a pior crise vivida em Angola foi a guerra, como quem diz: não questionem as causas da crise actual que, como se dizia antigamente, “1961 foi pior”. Deve ter sido esse o mote para se celebrar este 4 de Abril. No Huambo, onde me encontrei durante a semana da heroica celebração, perante o avolumar dos lixos e o desaparecimento de belos jardins, estradas esburacadas e o grito de mães aflitas, sem saber o que fazer com os filhos e consigo próprios, ante o esvaziamento das reservas de subsistência, os programas radiofónicos locais só teciam louvores, até de representantes de partidos da oposição, ao “Arquitecto da Paz”. 

Estou convencido que com este tipo de paz, a paz não tem futuro sustentável. A bajular constantemente os detentores do poder, como se o seu exercício discricionário fosse propriedade sua, colocamo-nos novamente perante o perigo do retorno de conflitos inesperados, que não serão travados à custa do sacrifício dos direitos, liberdades e garantias de pessoas mais intransigentes contra este estado de coisas, como os chamados “revus”. Se nem todos podemos ir às ruas para apanhar cacetadas, como esses jovens valorosos e combativos, que como costumo dizer, são os únicos que entenderam onde está o problema fundamental, encontremos, “mais velhos”, nos partidos políticos, na sociedade civil e cada um no seu posto, especialmente, como intelectuais, uma forma de dizer “não!” a este tipo de paz cheia de tensões, mortes e castigos imerecidos. Marcolino Moco – Angola in “Moco Produções”


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Marcolino José Carlos Moco – Nasceu em Chitue, Município de Ekunha, Huambo a 19 de Julho de 1953Licenciado em Direito e mestre em Ciências Jurídico-Políticas pela Universidade Agostinho Neto, e doutorando em Ciências Jurídico-Políticas na Universidade Clássica de Lisboa. Advogado, Consultor, Docente Universitário, Conferencista. Primeiro-ministro de Angola, de 2 de Dezembro de 1992 a 3 de Junho de 1996 e Secretário-Executivo da CPLP – Comunidade dos Países de Língua Portuguesa – de 1996 a 2000. Governador de duas províncias: Bié e Huambo, no centro do país, entre 1986 e 1989, Ministro da Juventude e Desportos, 1989/91.  



Marcolino Moco & Advogados - Ao serviço da Justiça e do Direito

Marcolino Moco International Consulting 

www.marcolinomoco.com

Avenida de Portugal, Torre Zimbo. Nº 704, 7º andar
Tel: 930181351/ 921428951/ 923666196
Luanda - Angola

sexta-feira, 29 de abril de 2016

Uruguai – Próximo Observador Associado da CPLP

A secretária de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação portuguesa afirmou hoje que o Uruguai vai ser observador associado da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) no segundo semestre deste ano.

A decisão de se tornar observador associado da CPLP insere-se numa estratégia "de aproximação aos países de língua portuguesa" e na vontade de "aproximação do Uruguai a África".

"O Uruguai será membro associado da CPLP na próxima cimeira, no segundo semestre, em 2016".

A responsável acrescentou que vai ser também assinado, sem adiantar uma data, um memorando sobre cooperação triangular entre Portugal, Uruguai e países lusófonos africanos.

Para reforçar a aproximação a África e também ao Brasil, o Uruguai quer expandir a língua portuguesa, que já se fala nas zonas de fronteira, disse.

"Fala-se português nas zonas de fronteira, onde é a segunda língua", sublinhou, explicando que o reforço da língua passará pelo recurso a cursos 'online', devidamente certificados.

A secretária de Estado portuguesa referiu estar em análise com as autoridades uruguaias a realização de uma semana do Uruguai em Lisboa, no próximo ano, para reforçar o relacionamento bilateral e trocar experiências em diversas áreas.

A realização da semana de Portugal no Uruguai inseriu-se numa estratégia de diversificação de parceiros económicos, depois de identificadas como áreas preferenciais na relação económica bilateral turismo, água, resíduos, saneamento e infraestruturas, disse.

Várias empresas portuguesas participaram nesta semana, na sequência de um trabalho prévio de identificação das áreas de intervenção, "havendo ecos extraordinariamente positivos" em relação a este evento, sublinhou Teresa Ribeiro, destacando a participação da comunidade portuguesa no país sul-americano "muito ativa e empenhada".

"Há convergências históricas, culturais e linguísticas que o Uruguai valoriza muito", o que facilita o relacionamento político e empresarial, afirmou.

Atualmente são observadores associados da CPLP a Geórgia, Maurícia, Japão, Namíbia, Senegal e Turquia.

A CPLP integra Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste.

Cabe ao Brasil, que ocupa a presidência 'pro tempore' da organização lusófona, indicar a data e o local da próxima cimeira de chefes de Estado e de governo. UE-CPLP

Conferências de Lisboa - A Globalização do Desenvolvimento

A 2.ª edição das Conferências de Lisboa sobre o tema “A Globalização do Desenvolvimento” terá lugar nos dias 5 e 6 de maio, na Fundação Calouste Gulbenkian (Av. de Berna, n.º 45A), em Lisboa.

Este evento, onde a UCCLA é uma das entidades organizadoras, permite uma reflexão política continuada e abrangente sobre os principais temas da agenda internacional, com destaque para a sustentabilidade dos modelos de crescimento, governação, paz e segurança internacional.

O Secretário-geral da UCCLA, Vitor Ramalho, estará presente no painel "Conceitos Globais: Desenvolvimento Sustentável e Globalização”, dia 5 de maio, às 11 horas.

Nesta edição será debatido o significado atual do desenvolvimento e as tendências em que a globalização se desenvolve, incluindo as reconfigurações geoeconómicas, as ameaças de segurança, o esbatimento da dicotomia Norte-Sul e o futuro da União Europeia.

Será, igualmente, lançado o Clube de Lisboa, para o qual serão convidados para membros os participantes das diversas edições das Conferências. Esta iniciativa terá um Conselho Consultivo Estratégico, composto por personalidades nacionais e internacionais reputadas, o qual ajudará a lançar pontes de diálogo e entendimento global.

O programa reúne oradores de vários quadrantes da política nacional e internacional e terá quatro painéis: “Conceitos Globais: Desenvolvimento Sustentável e Globalização”, “Políticas Globais: Reconfigurações geoeconómicas e Entre bilateralismo e protecionismo”, “Geografias Globais: Um Norte-Sul de fronteiras difusas e Ameaças de segurança”, e “Atores Globais: A União Europeia numa encruzilhada”. UCCLA


Reino Unido - O mistério do quadro renascentista em que se (re)descobriu a Lisboa manuelina

Parece um romance policial. Em 2009 duas historiadoras inglesas visitaram uma mansão perto de Oxford e aí encontraram um quadro do século XVI que retratava uma rua renascentista. Não se sabia se era uma rua real ou imaginada, nem quem a tinha pintado. Depois de uma longa pesquisa, as historiadoras chegaram à conclusão de que se trata de uma rua bem portuguesa que foi palco do comércio de mercadorias de todo o mundo.


A casa foi construída pelo escritor, artista e filósofo socialista William Morris, uma figura pública da Inglaterra vitoriana. Lá viveu desde meados do século até à sua morte, em 1896. É uma daquelas quintas inglesas cheias de carácter, rodeada por um lindo jardim e recheada com móveis, livros e objectos de grande qualidade. A viúva, e depois as filhas, conservaram tudo intacto até que, com o falecimento da última, a casa passou para uma organização chamada Sociedade dos Antiquários de Londres, que a mantém aberta ao público. Qualquer pessoa pode passar uma tarde agradável nos jardins ou a inspeccionar a preciosa biblioteca de William Morris.

Em 2009 duas historiadoras inglesas, Kate Lowe e Annemarie Jordan Gschwend, visitaram esta mansão do século XIX, Kelmscott Manor, localizada perto de Oxford. As duas historiadoras repararam num quadro do século XVI que o pintor Dante Gabriel Rossetti, amigo de Morris, lhe terá oferecido, ou vendido, e que estava atribuído à escola de Velázquez. Mostra uma rua renascentista, e não se sabia se era real ou imaginada, nem quem a tinha pintado.

Lowe e Gschwend pesquisaram longamente, à procura de referências, tanto em livros e documentos, como na própria pintura. Finalmente chegaram à conclusão, indisputada, de que se trata da Rua Nova dos Mercadores, na baixa da Lisboa manuelina. Ficava onde agora passa a Rua da Alfândega, e era o percurso mais cosmopolita numa cidade onde se negociavam mercadorias de todo o mundo. Além de algumas descrições da sua opulência, apenas existem poucas gravuras da cidade inteira, sem pormenores das ruas. A Rua Nova dos Mercadores foi evidentemente destruída pelo terramoto de 1755, e nunca mais voltou ao esplendor da Era das Descobertas. O que resta hoje é a fachada manuelina da Conceição Velha, reconstruída com um interior já pombalino.

O quadro é incrivelmente detalhado – tem tantos pormenores que permite reconstruir uma grande quantidade de informação sobre a Lisboa do século XVI e, por extensão, da vida urbana dum grande centro europeu. Pesquisando à lupa, um grupo de quinze historiadores de várias especialidades começou a descobrir o significado de tudo o que lá se vê: a arquitectura ainda com influências árabes, o carácter multirracial da população, habitantes e visitantes, os artefactos negociados nas lojas e os produtos vindos de todo o mundo que estavam em exposição; porcelanas chinesas, papagaios brasileiros, marfins de África e do Sri Lanka, joalharia, lacados, têxteis da Ásia e pedras preciosas dos entrepostos onde os portugueses negociavam. A partir dos objectos e figuras, os especialistas conseguem extrapolar um sem número de factos, como os modelos de negócio então praticados, o percurso dos produtos pelos portos dos sete mares e até hábitos da vida quotidiana da cidade.

Nessa época de abundância, os artefactos que anteriormente só eram usados pela realeza tinham-se tornado comuns entre a rica burguesia. Neste particular, o quadro vem confirmar o que se sabe de outras fontes. Por exemplo, uma guia de desembarque de 1518 mostra que uma nau do Oriente trazia 19 mil leques chineses e duas toneladas de seda da costa de Malabar. No quadro vêem-se esculturas de cristal do Sri Lanka, biombos de laca indo-muçulmanos e esculturas cristãs feitas na Índia.

O resultado de todas estas pesquisas acaba de ser publicado num volume de grande formato, com 300 páginas, editado pelas historiadoras e com os comentários dos quinze críticos. Chama-se "The Global City: On the Streets of Renaissance Lisbon" e é editado pela Paul Holberton Publishing, uma casa especializada em livros de arte altamente sofisticados e objectos exóticos e raros.

Infelizmente não se viu notícia desta publicação por cá. Nós, portugueses, a quem este assunto interessa mais do que a quaisquer outros, pois ainda vivemos a nostalgia das Descobertas e poucas informações novas já se conseguem encontrar, bem que gostaríamos. Entretanto, o livro pode ser comprado do editor (por 40 libras) ou, evidentemente, através da Amazon. Couto Nogueira – Portugal in “Sapo24”

quinta-feira, 28 de abril de 2016

Brasil - Transporte de containers aumenta na ferrovia

Em um período pautado pela busca de redução nos custos operacionais e uma saída em meio à crise econômica e política que afeta o Brasil, a MRS Logística aparece com números “agressivos” no transporte de containers.

A companhia abriu 2016 com forte crescimento na demanda de containers, uma alta de 30%. Em 2015, foram transportados 67,7 mil Teus, volume 31,4% superior à produção anual de 2014. De acordo com a companhia em todas as rotas houve ainda crescimento, sem nenhum caso de roubo de cargas registrado. O melhor resultado anual da ferrovia com as ‘caixas’ desde 2010. Para 2016, a empresa já aponta novos recordes: neste primeiro trimestre do ano, a ferrovia já transportou 63% mais contêineres do que em relação ao mesmo período do ano passado.

Como conta Guilherme Alvisi, Gerente Geral de Negócios para Carga Geral da MRS, nos dois últimos anos o crescimento registrado é resultado “de uma convergência”.

“De um lado, houve um movimento estratégico, uma remodelagem dos serviços e investimentos por parte da MRS. Por outro, estamos experimentando uma certa redescoberta das vantagens da ferrovia pelo setor produtivo, que precisa mais do que nunca de eficiência e custos reduzidos. A ferrovia oferece aquilo de que o mercado mais está precisando”, sintetiza.

Entre os setores mais movimentados estão em destaque o transporte por containers de produtos industrializados, em janeiro e fevereiro desse ano com incremento de 244% em relação a 2015 e o de papel e celulose, que mais que dobrou (aumento de 112%) em relação à média mensal no mesmo período.

Porto de Santos

Nas rotas ligadas ao Porto de Santos, a companhia informou que considerando os fluxos nos dois sentidos (importação e exportação), o volume total em 2015 foi de 57 mil Teus. Um crescimento de 57% com relação ao ano anterior. Especificamente na rota entre Campinas e Santos, o crescimento foi de 79% no volume total transportado.

Ainda de acordo com Alvisi, além do crescimento em volume, outro aspecto foi importante nos resultados de 2015: a diversificação das cargas. Segundo ele, o contêiner aceita virtualmente qualquer carga facilitando qualquer operação. Além disso, aponta, por ser um ativo comum a todos os modais, é ideal para a intermodalidade. “No ano passado, conquistamos ao todo 34 novos clientes regulares, em segmentos que ainda não tinham experimentado a ferrovia em suas cadeias. Peças plásticas, componentes automotivos, diversos outros produtos industrializados, até́ sucata foram incluídos ao portfólio de produtos mais tradicionais", completou. In “Guia Marítimo” - Brasil

Portugal - Ostreicultura no Estuário do Tejo é tema de Colóquio

A Associação Naval Sarilhense (ANS), em parceria com o Instituto de Dinâmica do Espaço (Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa), promovem, no próximo dia 30 de abril, a partir das 15h00 na Sede Social da ANS (Sarilhos Pequenos), o Colóquio “A Ostreicultura no Estuário do Tejo: Passado, Presente e Perspetivas de Futuro”.

O Colóquio pretende contribuir para a discussão sobre o papel histórico da ostreicultura no Estuário do Tejo e sobre os desafios inerentes à reintrodução desta atividade neste estuário. Para o efeito, contará com intervenções de António Antunes Dias (ex-Diretor das Reservas Naturais do Estuário do Tejo e do Estuário do Sado), Francisco Ruano (Investigador do Instituto Português do Mar e da Atmosfera) e Fernando Gonçalves (Secretário-Geral da Associação Portuguesa de Aquacultores). No final do evento haverá ainda lugar a uma prova de ostra portuguesa. Associação Naval Sarilhense - Portugal

quarta-feira, 27 de abril de 2016

Macau – Universidade de Macau abriu inscrições para curso de português

A Universidade de Macau abriu as inscrições para a 30ª edição do Curso de Verão de Língua e Cultura Portuguesas. Além das aulas em português, os alunos que frequentem o curso poderão receber conhecimentos históricos, sociais, económicos, políticos e culturais sobre Macau. O prazo das inscrições termina no próximo dia 14 de Maio de 2016.

O Programa de Verão Idioma Português que foi lançado em 1986 já ensinou cerca de 6000 estudantes de diversas partes do globo, havendo alunos da China, Japão, Coreia do Sul, Índia, Vietnam, Malásia, Timor, Etiópia, Estados Unidos, Hong Kong e Macau, com um terço dos alunos oriundos de Macau.

O curso inclui uma variedade de atividades extracurriculares interessantes, que são projetadas para dar aos participantes uma oportunidade de experimentar a mistura única das culturas chinesa e portuguesa em Macau e para aumentar a sua compreensão histórica, social, económica, aspectos políticos e culturais da cidade.

O curso terá lugar entre 18 de julho e 5 de agosto e está disponível em cinco níveis: nível de principiante, nível básico, nível intermediário, nível avançado, e nível superior. Português / Chinês aulas de tradução também estarão disponíveis para os estudantes bilingues. Os interessados deverão aceder à inscrição aqui. Universidade de Macau - Macau

terça-feira, 26 de abril de 2016

Macau - Em português nos entendemos?

O ensino do português vai continuar a ser uma aposta do Governo do território, garantiu o Chefe do Executivo aos deputados, no hemiciclo do território. Apesar das boas intenções e do esforço desenvolvido ao longo dos últimos anos, a falta de quadros bilingues continua a ser um problema, reconhece Chui Sai On.

O território quer assumir-se como um centro de formação de língua portuguesa na região da Ásia-Pacífico, reiterou na sexta-feira o Chefe do Executivo, Fernando Chui Sai On, na Assembleia Legislativa.

Lembrando que em Macau já existe “uma certa base” no ensino do português, Chui Sai On defendeu que o território “tem condições para ser uma base de formação” para a bacia da Ásia-Pacífico. O Chefe do Executivo definiu mesmo o ensino do português como um dos objectivos estratégicos do Governo para os próximos anos.

Chui não excluiu a possibilidade das autoridades de Macau poderem vir a contratar mais professores em Portugal, sublinhando “o bom relacionamento” com Lisboa.

O Chefe do Executivo falava na Assembleia Legislativa, numa sessão de respostas aos deputados em que foi questionado sobre o objetivo, estabelecido por Pequim, de tornar Macau numa plataforma de cooperação entre a China e os países de língua portuguesa.

O apoio de Pequim ao desenvolvimento do papel de Macau como ponte entre a República Popular da China e a lusofonia consta do XIII Plano Quinquenal chinês, aprovado recentemente, o que foi lembrado por diversos deputados.

Cheang Chi Keong, evocou a este propósito, a falta de quadros bilingues – português e chinês – e quis saber como é que o Executivo pretende responder a este problema.

Chui Sai On reconheceu que esta é uma questão central e deu como exemplo o próprio Governo, reconhecendo que faltam actualmente 126 tradutores no seio da máquina da função pública para responder às necessidades.

Garantindo que o executivo “tem dado toda a atenção” a esta questão e que o número de alunos a estudar português em Macau cresceu 20 por cento no actual ano lectivo, Chui Sai On vincou que é preciso apostar no ensino da língua portuguesa nas escolas não superiores e apoiar ainda mais as escolas privadas na criação de oferta de ensino do português.

O Chefe do Executivo referiu ainda que o estudo do português é uma opção dos estudantes e encarregados de educação e que “muitos” preferem escolher estudar chinês e inglês.

A este propósito, prometeu a adopção de medidas para incentivar mais estudantes a optar pela língua portuguesa, incluindo alargar o âmbito de bolsas de estudo, como as destinadas a estudar em Portugal e noutros países.

Nas respostas que deu aos deputados, Chui Sai On revelou que o primeiro plano quinquenal de Macau será divulgado já amanhã, a fim de ser submetido a consulta pública. O objectivo da iniciativa passa por recolher contributos para elaborar o documento final. In “Ponto Final” - Macau

Internacional - Comércio mundial à espera do TFA

SÃO PAULO – Da parte do Brasil, já nada impede que o Acordo de Facilitação do Comércio (Trade Facilitation Agreement, TFA, na sigla em inglês), da Organização Mundial do Comércio (OMC), entre em funcionamento, depois da assinatura de carta da ratificação pela presidente Dilma Rousseff, ao final de março. Mas, para que o acordo entre vigor, é preciso que dois terços dos membros da OMC, ou seja, 108 países, venham a ratificar o acordo.

Firmado em Bali, na Indonésia, durante a Conferência Ministerial de dezembro de 2013, o tratado, que visa à desburocratização do comércio exterior e à eliminação de barreiras administrativas, já é considerado histórico por ser o primeiro acordo comercial global em 20 anos. Seu texto prevê medidas voltadas à modernização da administração aduaneira, bem como rapidez e simplificação de procedimentos relacionados ao comércio exterior.  

Como se sabe, na maioria das nações, os trâmites aduaneiros são complexos e pouco transparentes, representando barreiras não-tarifárias ao comércio. Se o TFA sair mesmo do papel, os governos terão à disposição os meios mais eficazes de combate à corrupção, além de condições de colocar em prática medidas que contribuam para a redução de custos operacionais, inclusive para os setores privados.

Analisando-se o acordo, percebe-se que sua primeira seção dispõe sobre medidas para acelerar a movimentação, liberação e o desembaraço de bens, inclusive de mercadorias em trânsito. Já a segunda seção é constituída por normas de tratamento especial que permitem aos países em desenvolvimento e menos desenvolvidos determinar o momento em que farão a implementação de regras específicas do FTA em seus ordenamentos jurídicos. Por fim, a última seção contém normas que estabelecem um comitê permanente sobre facilitação do comércio na OMC e exigem que os membros da organização tenham um comitê nacional para facilitar a coordenação interna e implementação das disposições do acordo.

Com o TFA, a OMC prevê uma redução de 14,3% nos custos do comércio global. Mais: estima que haja um aumento de até US$ 1 trilhão nas exportações globais anuais. Segundo a OMC, o acordo vai permitir que as exportações dos países em desenvolvimento cresçam anualmente entre US$ 170 bilhões e US$ 730 bilhões. Já os países desenvolvidos verão suas exportações crescerem em até US$ 580 bilhões por ano. Ou seja, o acordo deverá impulsionar em 2,7% a alta das exportações mundiais por ano, provocando um acréscimo de 0,5% no crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) global.

Com tantos benefícios previstos, não se entende por que se demora tanto para que o tratado entre efetivamente em vigor. Afinal, já lá se vão quase dois anos e meio desde a reunião em Bali que criou o TFA. A última contagem, conforme se pode constatar no site da OMC (www.wto.org), mostra que, com a adesão da Índia e da Rússia, a 22 de abril de 2016, até agora, 77 dos 162 membros ratificaram o acordo. Quer dizer, ainda faltam 31. Nesse ritmo, talvez ao final de 2017 seja alcançado o número mínimo. Até lá, haja paciência... Milton Lourenço - Brasil

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Milton Lourenço é presidente da Fiorde Logística Internacional e diretor do Sindicato dos Comissários de Despachos, Agentes de Cargas e Logística do Estado de São Paulo (Sindicomis) e da Associação Nacional dos Comissários de Despachos, Agentes de Cargas e Logística (ACTC). E-mail: fiorde@fiorde.com.br. Site:www.fiorde.com.br

segunda-feira, 25 de abril de 2016

O Reino, a Colônia e o Poder: o governo Lorena na capitania de São Paulo (1788-1797) [1]

Resumo: Este trabalho procura resgatar os nove anos da administração de D. Bernardo José Maria de Lorena e Silveira à frente da capitania de São Paulo (1788-1797), período em que o governador procurou consolidar a economia, incrementando a agricultura, além de abrir caminhos para a circulação da produção de gêneros, especialmente do açúcar, de que a chamada Calçada do Lorena, ao pé da Serra do Mar, em Cubatão, hoje em ruínas, é ainda o melhor exemplo. O governo Lorena, além de atuar em defesa e manutenção dos territórios meridionais e das fronteiras estabelecidas pelo Tratado de El Pardo, de 1761, apesar das poucas forças de que dispunha, destacou-se pela maneira harmoniosa com que procurou desempenhar sua administração, ganhando por isso o apoio das elites da capitania.

Palavras-chave: Brasil – século XVIII – capitania de São Paulo

1.    Introdução

Este trabalho pretende analisar os nove anos do governo Lorena (1788-1797), mostrando a atuação do governador para conciliar os interesses da Metrópole com as reivindicações das lideranças locais que, não raro, viam com reservas os representantes da Coroa. É de lembrar que Lorena recebeu uma capitania mais organizada do que os seus antecessores e soube, sobretudo, aproveitar-se disso para colocá-la numa situação mais favorável em relação às demais da América portuguesa. Em pouco tempo, a capitania paulista ganhou maior importância política e econômica, como prova o papel de destaque que teve na gestação do processo que resultou na separação da colônia do Reino.

É de ressaltar que o período anterior sempre foi apontado por contemporâneos e historiadores mais antigos como de extrema miséria e de obscurantismo na história da América portuguesa, que coincide com a perda de sua autonomia em 1748, depois de ter alcançado uma situação destaque, à época da capitania vicentina, como centro propulsor da penetração para o interior de América, o que se deu a partir da descoberta das minas de ouro. Este trabalho contesta e relativiza essa visão, mostrando que essa ideia, provavelmente, fazia parte de uma estratégia política das elites contemporâneas para reivindicar melhorias, pois esse quadro não se justifica totalmente.
   
2.    São Paulo, um entroncamento de vias

Ao contrário do que a historiografia tradicional sempre defendeu, a capitania de São Paulo não vivia isolada nem tampouco estava despovoada, sobrevivendo de uma economia de subsistência, à época da chegada do governador D. Luís Antônio de Sousa Botelho, o morgado de Mateus, em 1765, quando deixou de ficar adjudicada à capitania do Rio de Janeiro. Esse período que se iniciara em 1748 sempre foi visto por historiadores mais antigos, como Roberto Simonsen (1889-1948) e Caio Prado Júnior (1907-1990), como de completa decadência e isolamento em relação às demais regiões da América portuguesa, em comparação com as capitanias do Nordeste e da zona de mineração, que apresentavam padrões de crescimento superiores.

Hoje, esse conceito tem sido revisto ou relativizado, ao reconhecer-se que, se São Paulo não dispunha de uma economia pautada na grande lavoura monocultura e escravista nem na extração mineral, teve participação decisiva no avanço em direção ao Oeste e à descoberta das minas de ouro ao final do século XVII (MENDES, 2004, p. 2), além de, geograficamente, localizar-se no entroncamento de importantes circuitos regionais, terrestres e fluviais (MOURA, 2006, p. 42). E que esse fator continuou a pesar decisivamente no rumo do desenvolvimento da capitania.

Também não se pode admitir que a capitania, entre os anos de 1765 e 1822, tenha passado por enfraquecimento político ou decadência econômica, já que, no período, além de aumento demográfico, a capital continuou a atuar como peça-chave das principais vias, fluviais e terrestres, mercantis e de comunicação, o que sempre tendeu a fortalecer o circuito vicinal de comércio, ou seja, a economia de abastecimento local (MOURA, 2006, p. 43).

A economia da capitania de São Paulo sempre esteve baseada na comercialização dos produtos, servindo como entreposto de cargas. Até porque a lavoura praticada na região era feita em pequenas propriedades, sem larga escala, voltada mais para o abastecimento local e não para a exportação. A mão de obra escrava majoritária tampouco vinha da África, mas do elemento local, ou seja, o indígena capturado nos sertões. Enquanto as demais capitanias localizadas à beira do Oceano Atlântico concentravam seu interesse no tráfico marítimo com Portugal, especialmente para a venda da produção canavieira, os moradores do Planalto de Piratininga estavam preocupados com o sertão inexplorado e as riquezas que poderiam encontrar.

Por isso, quando o governador Lorena chegou para exercer o seu primeiro triênio, não encontrou uma capitania depauperada ou isolada, mas em desenvolvimento. E tratou de dar continuidade a uma política de fortalecimento de sua economia, procurando, na medida do possível, encetar uma série de obras de melhoramento dos caminhos do interior em direção à capital e, principalmente, ao litoral, pois os produtores agrícolas só se sentiriam estimulados a produzir mais se pudessem escoar a sua produção para outras capitanias e para o Reino.

3.    Duas medidas fundamentais

Foi o que o levou a tomar duas medidas que são fundamentais e aparecem como a marca de seu governo. Uma delas foi a proibição de que embarcações saíssem dos demais portos da capitania (São Sebastião, Ubatuba, Cananeia e Paranaguá) em direitura ao Rio de Janeiro, sem fazer escala em Santos, onde deveriam pagar dízimas à Alfândega. Se assim não o fizessem, continuariam a pagar dízimas na Alfândega do Rio de Janeiro, com sensíveis prejuízos à arrecadação da capitania de São Paulo.

Embora tenha causado muitos protestos por parte dos produtores e comerciantes de outros portos, a medida foi fundamental para canalizar a produção de açúcar e outros gêneros para o porto de Santos, que, a partir de seu governo, passou a comercializar diretamente com a Europa, ou seja, com Portugal. Ao partir do princípio de que governar é estabelecer prioridades, Lorena tomou uma decisão que seria fundamental para abrir literalmente o caminho para o desenvolvimento da capitania, determinando que toda carga produzida na capitania teria de passar primeiro pelo porto de Santos. A medida permitiu que o porto de Santos passasse a receber mais navios e a fazer o comércio diretamente com Portugal. Mais: a partir daí, as embarcações passaram a vir a Santos porque seus armadores entendiam que não retornariam mais vazias ou com meia carga.

Obviamente, isso causou descontentamento entre os grupos prejudicados: intermediários do Rio de Janeiro que atravessavam os negócios dos paulistas, produtores que costumavam escoar a produção por outros portos da capitania e até o vice-rei, que viu a arrecadação da Alfândega fluminense cair. Em compensação, as rendas da Alfândega santista aumentaram sobremaneira porque antes os produtos tinham de passar pelo Rio de Janeiro e lá é que pagavam as taxas.

Ao priorizar o caminho para o porto de Santos, em detrimento dos demais povoados de marinha, Lorena levou basicamente em conta a proximidade daquela vila à capital, ainda que a Serra do Mar se afigurasse como uma região praticamente impenetrável, tantos eram os obstáculos que se apresentavam. Mas, da mesma forma, esses obstáculos se colocariam, se tivesse optado por São Sebastião, Ubatuba, Cananeia ou Paranaguá, vilas mais distantes da cidade de São Paulo.

Por outro lado, na capital e mesmo na vila de Santos, com certeza, Lorena sabia que contaria com maior apoio financeiro e político para os seus planos de expansão, em função dos interesses econômicos de produtores e comerciantes. Ao mesmo tempo, atenderia aos interesses dos donos de engenho do interior da capitania, que defendiam o escoamento da produção pelo porto santista. Mas encontrou também oposição na Câmara de São Paulo, já que alguns comerciantes da capital não tinham interesse em que a vila de Santos viesse a assumir uma posição de liderança na capitania.

4.    Uma briga de interesses

Essa briga de interesses vinha de longe. É de lembrar que a família Andrada, à frente de outros negociantes da vila de Santos, tentou em 1768, à época do governo do morgado de Mateus, autorização para instalar uma casa que controlasse o comércio atacadista da capitania com o Reino e outros portos da América portuguesa (MOURA, 2006, p. 48). Essa teria sido a primeira iniciativa de um grupo de comerciantes no sentido de estabelecer uma casa que funcionasse como intermediária, comprando os gêneros produzidos na capitania para revendê-los aos negociantes do Reino, que, por sua vez, distribuíam-nos para os demais portos da Europa e até da Ásia.

A ideia, porém, não foi adiante porque muitos produtores estavam acostumados a passar as suas mercadorias diretamente para o Rio de Janeiro e outros funcionavam como “caixeiros” desses negociantes fluminenses. Houve, portanto, também reação por parte de forças que controlavam a Câmara de São Paulo, pois não queriam perder o controle que exerciam sobre os circuitos regionais. E assim a sugestão foi bombardeada sob a alegação de que não havia gêneros no porto de Santos suficientes para satisfazer a necessidade de consumo dos moradores da cidade de São Paulo e revenda ao mercado externo (Atas da Câmara, v. XV, 1768, p. 339-340).

Esse receio de que o controle do mercado inter-regional caísse nas mãos de comerciantes santistas reflete-se na morosidade e má vontade com que a Câmara de São Paulo trataria nos anos seguintes as obras de construção e manutenção dos caminhos em direção ao mar. Só quando esse equilíbrio de forças foi rompido com a presença de um representante do Reino a favor da melhoria desses caminhos é que isso se tornou possível.

Para tanto, foi fundamental a maneira como o governador capitalizou o apoio de vários grandes comerciantes para a execução dos planos que trazia da Corte, especialmente José Arouche de Toledo Rendon, José Vaz de Carvalho, Francisco José de Sampaio Peixoto, Salvador Nardi de Vasconcelos Noronha e Antônio José Vaz, camaristas e importantes negociantes e produtores locais que, a 17 de dezembro de 1791, participaram de uma academia na Câmara de São Paulo em homenagem ao governador, que então já levava quase três anos e meio à frente da capitania.

Lorena chegou do Reino com a mesma ideia do grupo liderado pela família Andrada em 1768. Só que, em vez de uma casa comercial estabelecida por comerciantes santistas, quem funcionaria como atravessador dos negócios e fomentador de crédito aos produtores e comerciantes de menor expressão seria um preposto indicado diretamente por Jacinto Fernandes Bandeira, o grande negociante de Lisboa. Obviamente, as forças que dominavam a Câmara não se opuseram de maneira tenaz como antes: uma coisa seria solapar a iniciativa de concorrentes locais, outra seria contrariar os interesses do representante régio na capitania.

Assim, contando com o apoio da elite dirigente da capital, o governador tratou de melhorar os caminhos da Serra de Cubatão em direção a Santos, determinando a construção da primeira via pavimentada da América, a hoje chamada Calçada do Lorena, além de mandar fazer um aterrado que permitiu a passagem com mais desenvoltura das cargas que vinham em lombo de muares e até em carroças.

Naturalmente, alguns grupos enriqueceram com a medida imposta a ferro e fogo por Lorena, em prejuízo de outros, que passaram a considerar a proibição um monopólio – o que, de fato, era –, mas, afinal de contas, a produção paulista, especialmente a de açúcar, que vinha de Itu, Porto Feliz, Mogi Mirim, Sorocaba, Guaratinguetá, Lorena, Jundiaí e São Carlos, começou a crescer de maneira vertiginosa. Esse crescimento da lavoura de cana de açúcar, especialmente naquelas vilas, pode ser constatado em números, com a multiplicação de engenhos: de um total de 78 que havia em 1793, chegou-se a 359 em 1798 (AHU, CU, São Paulo, caixa 14, doc. 698, post.1798).

5.    O apoio das elites escravocratas

Se não bastasse isso para valorizar a administração de Lorena à frente da capitania de São Paulo, da consulta à documentação de arquivo ressalta que nenhum outro capitão-general e governador deixou o governo tão elogiado quanto D. Bernardo, ao menos pelas elites escravocratas da cidade de São Paulo e da vila de Santos, representadas pelas câmaras, que, obviamente, reuniam muitos produtores e comerciantes que haviam obtido altos lucros com a chamada “lei do porto único”.

Em muitos documentos escritos após a sua saída para o governo de Minas Gerais, é possível encontrar vários elogios a sua forma de governar. Em julho de 1797, por exemplo, a Câmara de São Paulo fez questão de louvaminhar Lorena por ter escolhido para ajudante de ordens José Joaquim da Costa Gavião, em substituição ao conhecido José Romão Jeunot. Gavião viera do Regimento de Moura, no Alentejo, em Portugal, e àquele tempo ocupava o posto de capitão de cavalaria dos Voluntários Reais, além de já estar estabelecido e casado em São Paulo:
“A experiência mostra que um bom ajudante de ordens influi muito na felicidade de um bom governo: agora o acabamos de ver em o feliz governo do general Bernardo José de Lorena, que Vossa Majestade foi servida de promover para Minas Gerais” (DI, v. 89, 1967, p. 104, 29/7/1797).

Contra Lorena, como se observou, levantaram-se as demais câmaras das vilas à beira-mar que se sentiram prejudicadas pela determinação que obrigava os produtores locais a enviar seus gêneros para o porto de Santos. Pouco mais de seis meses depois da saída de D. Bernardo, a Câmara de São Sebastião encaminhou representação à rainha queixando-se da “opressão e vexame em que os moradores daquela vila se achavam desde 1791, quando foram intimados por ordem do governador mandando suprimir a liberdade de levarem os seus efeitos a qualquer porto do Estado do Brasil, onde melhor pudessem reputar; e isto com pena de prisão” (DI, v. 89, 1967, p. 105, 3/2/1798).

Da correspondência, percebe-se que, de início, por recomendação da Corte, o substituto de Lorena, Antônio Manuel de Melo Castro e Mendonça, manteve a proibição, que, segundo a Câmara de São Sebastião, favorecia os monopolistas de Santos “que pagam menos que os do Rio de Janeiro”.  Para os camaristas, Mendonça teria acreditado nas “antigas e novas falarias dos mesmos (monopolistas)”.

Os pró-homens de São Sebastião ainda acusaram o juiz de fora da vila de Santos, Sebastião Luís Tinoco da Silva, a essa altura já transferido para a cidade de São Paulo, de ter sido “bem instruído nos dolosos subterfúgios dos ditos monopolistas com quem vive”. E justificaram o silêncio em que se haviam mantido durante o governo de Lorena porque temiam represálias. “Por isso, fomos tolerando a opressão na esperança de que o futuro sucessor talvez quebrasse o pesado grilhão”, justificaram-se (DI, v. 89, 1967, p. 107, 3/2/1798).

À época em que escreveram essa representação à rainha, porém, o governador Mendonça já havia mudado de opinião. Tanto que, em correspondência datada de quatro dias depois daquela representação, Mendonça já avisava ao capitão-mor de São Sebastião, Cândido Xavier de Almeida e Souza, que havia derrubado a determinação que privilegiava o porto de Santos, concedendo licença para aquele porto e para o de Ubatuba “de enviarem dos seus efeitos para qualquer porto da nossa América a terça parte dos açúcares e aguardentes que haviam feito entrar na vila de Santos” (DI, v. 87, 1963, p. 68, 7/2/1798).

A partir de então, Mendonça seria um contumaz crítico das medidas tomadas por seu antecessor: ao final de seu governo, ao escrever uma “memória” dirigida ao seu sucessor, Antônio José da Franca e Horta, acusou Lorena de ter tomado a medida de definir a vila de Santos como porto único “por seu próprio interesse”. Uma acusação que, embora as evidências possam induzir que tivesse razão, partia de um governador que se tornara conhecido como notório atravessador dos negócios coloniais, tantas foram as queixas de comerciantes que chegaram à Corte.

Na “memória”, porém, ao mesmo tempo, Mendonça deixou implícito um elogio à medida tomada por seu sucessor, ao admitir que a sua revogação “reduzira o comércio à fraqueza em que V. Exa. (o governador Franca e Horta) vem o achar”, ainda que, a partir dali, cada um voltasse a ser “livre para transportar os gêneros que têm para onde mais conta lhe faz”. Para justificar a derrubada daquele sistema que obrigava “os povos de São Sebastião e Ubatuba a conduzirem a Santos os seus efeitos para ali serem comprados pelos preços que queriam as pessoas encarregadas de sua compra”, Mendonça argumentou que aquele monopólio trazia “insanável prejuízo aos agricultores que, desanimados com semelhantes procedimentos, abandonaram aquela ocupação, donde resultou a decadência das mencionadas vilas”   (DI, v. 44, 1915, p. 129, 28/12/1802).

Num excesso de autocrítica, o governador reconheceu que a revogação da medida tomada por Lorena não aumentara o comércio direto com a metrópole, observando que “os gêneros que haviam de formar a carga dos poucos navios que em direitura se dirigiam à Corte formaram a dos muitos vasos pequenos que anualmente navegam desta capitania para todas as da América, além de dois ou três que constantemente têm ido em direitura ao referido porto de Lisboa” (DI, v. 44, 1915, p. 131, 28/12/1802). Depois, ressaltou que, com a saída dos gêneros da capitania, animou-se a agricultura, observando que “os compradores enviaram (os gêneros) para onde os convidou a boa venda que tiveram em referidos portos”.

Ao contrariar ordem do Reino para seguir os ditames de seu antecessor, Mendonça justificou-se alegando que só fizera a mudança depois de muito estudo e “fundado em sólidas razões” (DI, v. 29, 1899, p. 130-134). Mas, na verdade, a sua decisão iria ao encontro da orientação de D. Maria I que, em razão das tensões vividas na Europa entre França e Inglaterra, ordenara que os “vasos pequenos” das demais vilas de marinha da América portuguesa não se dirigissem em direitura a Lisboa, mas antes passassem por portos mais importantes, como o Rio de Janeiro, no Atlântico Sul, seguindo até a Bahia, fazendo o transbordo para embarcações mais seguras, o que, de certa forma, também reforçava a antiga medida adotada por Lorena (DI, v. 39, 1902, p. 145). Como se sabe, dali as embarcações seguiriam para o Reino protegidas por naus de guerra.

A decisão de derrubar a prática exclusiva atribuída ao porto de Santos talvez resultasse de cooptação do governador e capitão-general por produtores das vilas litorâneas da capitania – São Sebastião, Ubatuba, Cananeia e Paranaguá – e de negociantes cariocas, que, de fato, haviam sido prejudicados pelas restrições impostas ao tempo de Lorena (MATTOS, 2009, p. 135-136).

Mas para Mendonça, a navegação do porto de Santos para o de Lisboa haveria de ser sempre diminuta, enquanto as culturas de café e de algodão não chegassem ao seu auge, “pois que estes gêneros são os que oferecem mais carga que, por ser especificamente mais cara, é mais apropriada para os altos das embarcações” (DI, v. 44, 1915, p. 131-132, 28/12/1802).

6.    Lei do porto único

Ao se referir à “curtíssima” instrução que seu antecessor lhe deixara, Mendonça contestou a informação de que, a partir da “lei do porto único”, a capitania passara a fornecer carga suficiente para abastecer doze navios por ano rumo a Lisboa. “Ele mesmo (Lorena) se convenceria do pouco fundamento desta assertiva, se ali declarasse o total dos gêneros que podiam ser transportados para aquela capital”, argumentou.

Depois de se referir novamente à decadência em que se encontravam as vilas de São Sebastião e Ubatuba ao tempo de sua chegada a São Paulo – “com a maior parte de seus engenhos demolida” –, Mendonça lembrou que, àquela época, as vilas de Serra-acima, “situadas na estrada que conduz desta capital para o Rio de Janeiro”, haviam produzido apenas 83.435 arrobas de açúcar. “Foram as (arrobas) que desceram no primeiro ano de meu governo, que foi o de 1797, e passaram pelo Cubatão”, disse (DI, V. 44, 1915, p. 137, 28/12/1802).

Ao final de 1802, segundo Mendonça, a capitania já estava produzindo 200 mil arrobas de açúcar por ano, que, ainda assim, não seriam suficientes para suprir dez embarcações com 500 caixas de 40 arrobas. “Ainda que suprido todo este açúcar em Santos, sempre vem a faltar carga para os altos (das embarcações)”, disse, observando que nunca a capitania tivera produção suficiente para suprir sequer dez embarcações por ano. “Nem a pode ter senão daqui a meia dúzia de anos”, previu (DI, v. 44, 1915, p. 138, 28/12/1802).

Apesar de todas as dificuldades que enumerava, Mendonça, em sua exposição, fez questão de manifestar a Franca e Horta que ele viria para governar uma capitania que era, “sem dúvida, a melhor da América, pela sua situação local e pelo concurso de circunstâncias que foram a sua total independência das outras”. Segundo o governador que estava de saída, a capitania produzia tudo quanto era necessário para a sustentação de seus habitantes e para o comércio, além de ter a vantagem de oferecer gêneros de que têm absolutamente necessidade as capitanias adjacentes, “como são os animais que daqui saem e por aqui transitam, tanto vacum para o Rio de Janeiro como muares para a mesma capitania e para as de Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso” (DI, v. 44, 1915, p. 138, 28/12/1802).

Como se sabe, esse comércio intercapitanias de tropas de muares impulsionado pela expansão da lavoura açucareira em São Paulo e no Rio de Janeiro, favorecida pela conjuntura internacional, havia também contribuído sobremaneira para dinamizar a economia paulista, tendo a feira de Sorocaba funcionado como mola propulsora a partir da década de 1770. “Deste modo, os comerciantes de Minas Gerais, Rio de Janeiro e vilas paulistas já não tinham necessidade de se deslocar até o continente de São Pedro para adquirir os animais. Bastava, desde então, deslocar-se para a feira” (BACELAR, 2001, p. 32).

7.    A importância da Calçada do Lorena

Ainda incomodado com a boa fama que cercava o seu antecessor, ao final de sua exposição a Franca e Horta, Mendonça, ao reconhecer implicitamente a importância da construção da estrada pavimentada que Lorena mandara fazer ao tempo de seu governo, procuraria minimizar a obra, dizendo que “para nada serviria” se ele não tivesse consertado o resto do caminho. Graças aos serviços que mandara executar – comandados pelo sargento-mor engenheiro João da Costa Ferreira (DI, v. 87, 1963, p. 6, 13/7/1797) –, garantiu Mendonça, a estrada por terra de Cubatão a Santos, “além de oferecer um meio de tornar legal o direito de passagem”, abria a possibilidade de se transportar a cavalo os gêneros de Serra-acima até o porto, “evitando-se por este modo a ruína que sofre o açúcar no transporte por água” (DI, v. 44, 1915, p. 145, 28/12/1802).

A par das divergências entre as exposições dos governadores, ditadas quase sempre pela vaidade de cada um, a verdade é que a segunda metade do século XVIII foi decisiva para o crescimento que a capitania de São Paulo apresentaria já no século seguinte, o que a levaria a cumprir papel fundamental nas circunstâncias que conduziram à separação do Brasil de Portugal, em razão de sua importância geopolítica e econômica.

Uma representação encaminhada pelo comerciante Diogo de Toledo Lara Ordonhes, de Lisboa, ao final da década de 1790, ao ministro dos Negócios da Marinha e dos Domínios Ultramarinos, D. Rodrigo de Sousa Coutinho, traça um panorama isento desse período, até porque o seu autor não teria nenhum vínculo político ou comercial com governadores e capitães-generais.  Segundo Lara Ordonhes, na década de 1750, das capitanias do Rio de Janeiro, Bahia, Pernambuco e Maranhão só se exportavam para Portugal os dois mais “consideráveis efeitos” do Brasil, o açúcar e o tabaco de rolo, “ainda que este último veio a se limitar ao Recôncavo da Bahia”. Naquele tempo, segundo o comerciante, a capitania de São Paulo não dava para o comércio com a Europa (isto é, com Portugal) “uma só arroba de açúcar nem outro efeito algum” (DI, v. 89, 1967, p. 142-143).

De acordo com Lara Ordonhes, a vila de Santos, principal porto da capitania, “tendo sido antigamente muito comerciante”, achava-se então na última decadência, mas começou a se revitalizar depois com a fabricação de anil e de maior quantidade de açúcar, que eram conduzidos para o porto do Rio de Janeiro por conta de comerciantes cariocas que se encarregavam de reenviar os produtos para Portugal. “No tempo de Francisco da Cunha Meneses (1782-1786), promoveu-se a agricultura e principiaram a carregar no dito porto de Santos alguns navios que saíam em direitura para Lisboa”, disse, observando que, apesar disso, sempre existiu a liberdade de se transportar os gêneros para o Rio de Janeiro, “no que não houve alteração no governo de Chichorro (1786-1788)”. Depois, acrescentou:
Lorena (1788-1797) não só promoveu altamente a agricultura e animou a indústria dos paulistas, mas também proibiu a exportação de todos os gêneros de embarque para outra qualquer parte da capitania, para deste modo facilitar-se o comércio direto com Portugal, o que conseguiu com grande benefício dos povos que regia, pois presentemente podem carregar em cada ano no porto de Santos para Portugal 12 navios de açúcar da melhor qualidade e de outros gêneros (DI, v. 89, 1967, p. 143).

Segundo Lara Ordonhes, como antes desta proibição o açúcar fabricado na capitania de São Paulo se confundia com o do Rio de Janeiro, passava todo ele debaixo deste nome, conservando na praça de Lisboa a mesma reputação, que tinha adquirido o do Rio de Janeiro pela autoridade da Mesa de Inspeção. “Depois que entrou a ser conhecido nesta praça de Lisboa o açúcar paulistano pelo nome de açúcar de Santos, decaiu muito a (sua) reputação e por consequência o preço”, disse, explicando que, embora muitas caixas viessem com o título de branco fino ou de branco redondo, havia nelas açúcar misturado e baixo, além dos chamados mascavos.

Para o comerciante, essa alteração se devia atribuir em parte à ignorância e aos descuidos dos fabricantes e em parte à malícia e má-fé dos mesmos produtores, sem deixar de levar em conta que “algumas causas físicas do terreno em que eram plantadas as canas influíam muito na mesma bondade do açúcar comprado de outras capitanias que ficam ao Norte”.

Como essa representação lhe foi encaminhada pelo ministro D. Rodrigo de Sousa Coutinho anexa à carta de 27 de março de 1799, Mendonça, com certeza, só tomou conhecimento de seu teor depois que já havia derrubado a proibição de Lorena, não lhe restando alternativa que não fosse a de justificar sua decisão. Embora tenha reconhecido que o açúcar produzido na capitania gozava de “má fama por causa das alterações que sofria”, só, ao final de 1802, ao deixar o governo, é que iria defender a instalação de uma Mesa de Inspeção em São Paulo para certificar a sua boa qualidade, tarefa que deixava para o seu sucessor (DI, v. 44, 1915, p. 139, 28/12/1802). Ao que parece, os elogios feitos pelo comerciante lisboeta a Lorena influenciaram o ânimo de Mendonça, pois, a partir de então, ele tratou de menosprezar sempre que pôde os méritos e feitos de seu antecessor.

Que havia na decisão de Mendonça de derrubar o monopólio da vila de Santos mais despeito do que análise fria dos fatos conclui-se ao se constatar que, em 1804, o governador Franca e Horta haveria de propor ao ministro D. Rodrigo de Sousa Coutinho a retomada da exclusividade de comércio direto entre o porto santista e o de Lisboa, ainda que a decisão voltasse a desagradar aos produtores e comerciantes ligados ao comércio com o Rio de Janeiro (DI, v. 94, 1990, p. 17-19).

De fato, proposta aceita, Franca e Horta seria alvo das mesmas acusações que haviam sido feitas a Lorena, como se vê em queixa encaminhada em fevereiro de 1805 ao príncipe regente pelo pároco João Rodrigues Coelho, de São Sebastião, para quem o governador abusava do despotismo, praticando violências e opressão, ao proibir que as vilas de marinha comercializassem com outras capitanias e até mesmo entre si.

Segundo o pároco, os habitantes das vilas litorâneas eram obrigados a enviar seus gêneros a Santos, onde três monopolistas controlavam o comércio, pagando preços diminutos. De acordo com Coelho, o governador e capitão-general perseguia e mandava prender quem ousasse desafiar suas ordens, mas favoreceria contrabandistas que enviavam para “as Américas espanholas” escravos, açúcar, aguardente e outros produtos sem pagar os direitos reais. Esses contrabandistas seriam o capitão-mor Manoel Lopes da Ressurreição e os capitães João José da Silva e Julião de Moura Negrão, com os quais o governador teria “contraído amizade” (AHU, CU, caixa 57, doc. 4.300, 7/2/1805).

A decisão de Franca e Horta, no entanto, não iria durar muito, pois a 6 de outubro de 1806 o príncipe regente mandou que tudo voltasse ao estado anterior (AHU, CU, caixa 58, doc. 4371). O governador ainda insistiu em manter a concentração das cargas num só porto como única medida possível para fomentar a circulação de mercadorias entre a capitania e o Reino (AHU, CU, caixa 30, doc. 1322, 8/6/1807), mas em julho de 1807 viu-se obrigado a liberar o comércio em todos os portos.

8.    Considerações finais

Independente dos interesses particulares em jogo, é de reconhecer que, sob o governo de Lorena, a exclusividade dada ao porto de Santos redundou no fortalecimento do mercado do açúcar, o que foi fundamental para o crescimento econômico da capitania. Com a revolta dos escravos na ilha de São Domingos, no Caribe, as cotações internacionais do produto elevaram-se rapidamente, obrigando o governador a buscar uma saída para o escoamento da produção, como queriam os donos de engenho e os comerciantes. Em consequência, os engenhos começaram a se multiplicar em ritmo inédito, acelerando a aquisição de escravos para o trabalho no campo, além de atrair mão de obra de outras capitanias, o que explica um crescimento da população no período acima do que era usual (SILVA, 2009, p.159).

Basta ver que levantamento feito à época do governo Chichorro (1786-1788) apontou uma relação de habitantes de 126.145 pessoas (AHU, CU, caixa 38, doc. 3192, 2/3/1788), que chegou a 139.287 em 1789 (AHU, CU, caixa 40, doc. 3288, 31/12/1789), enquanto um mapa de 1796 registrou 155.703 habitantes, entre homens livres e escravos (AHU, CU, caixa 43, doc. 3470, c. 1796), ou seja, um crescimento de 23% em oito anos, o que indica que a evolução econômica também atraiu gente de outras capitanias e do Reino. Essa conjuntura favorável, por certo, iria estimular a procura por novas terras rumo à região Oeste da capitania, fosse pela concessão de sesmarias, fosse pela posse arbitrária, favorecendo a proliferação de arraiais e a fundação de novas vilas.

Por aqui se vê que, de fato, os nove anos de Lorena à frente da capitania de São Paulo foram decisivos para o desenvolvimento da capitania, ainda que não se possa imaginar que tivesse partido do ponto zero, pois os governos anteriores criaram as bases desse processo de crescimento e, bem ou mal, tanto Mendonça (1797-1802) quanto Franca e Horta (1802-1811) e os governos que se seguiram deram igualmente sua contribuição. Adelto Gonçalves - Brasil





Referências

Arquivo Histórico Ultramarino (AHU), de Lisboa. Documentação referente à capitania de São Paulo em microfilmes/Projeto Resgate que consta do Arquivo do Estado de São Paulo (AESP): rolos 06.05.001/052; 06.06.053/070 (Conselho Ultramarino); 06.06.029/033 (Documentos avulsos da Capitania de São Paulo).
ATAS DA CÂMARA MUNICIPAL DE SÃO PAULO, 1768, v. XV. Publicação oficial do Arquivo Municipal de São Paulo, 1921.
BACELLAR, Carlos de Almeida Prado. Viver e sobreviver em uma vila colonial. Sorocaba, séculos XVIII e XIX. São Paulo: Fapesp-Annablume, 2001.
Documentos interessantes para a história e costumes de São Paulo. São Paulo: Departamento do Arquivo do Estado de São Paulo, v. 29, 1899; v. 38, 1902; v. 44, 1915; v. 87, 1963; v. 89, 1967; e v. 94, 1990.
MATTOS, Renato de.  Política, Administração e Negócios: A capitania de São Paulo e sua inserção nas relações mercantis do Império Português (1788-1808). São Paulo: São Paulo: dissertação de mestrado em História Social apresentada ao Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, 2009.
MENDES, Denise. A Calçada do Lorena: o caminho de tropeiros para o comércio do açúcar paulista, mimeo. Dissertação de mestrado apresentada ao Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP), 1994.
______________. Calçada do Lorena: um novo caminho para a capitania de São Paulo no século XVIII, 2004. <Disponível em: http:// www.historianet.com.br/conteudo/default.aspx?codigo=606> Acesso em: 10/5/2014.
MOURA, Denise A. Soares. “Região, relações de poder e circuitos mercantis em São Paulo (1765-1822). In: Saeculum Revista de História, João Pessoa-PB, nº 14, jan-jun. 2006, p. 39-56.
SILVA, Maria Beatriz Nizza da. (org.); BACELLAR, Carlos de Almeida Prado. GOLDSCHMIDT, Eliana Rea; NEVES, Lúcia M. Bastos P. História de São Paulo colonial. São Paulo: Editora Unesp, 2009.

The Kingdom, the Cologne and the Power: Lorena government in the captaincy of Sao Paulo (1788-1797)

Abstract: This work seeks to rescue the nine years of the administration of D. Bernardo José Maria de Lorena e Silveira in the captaincy of Sao Paulo (1788-1797), during which the governor sought to consolidate the economy, boosting agriculture, and open pathways for the movement of production genres , especially sugar, that the call Lorena's Causeway, at the foot of the Serra do Mar, in Cubatao, now in ruins , is still the best example .Government Lorena, besides acting in defense and maintenance of the southern territories and the borders established by the Treaty of El Pardo (1761), despite the few forces available to it, also stood out for the way they sought to play harmoniously with its administration, earning so the support of the elites of the captaincy .

Keywords: Brazil – Eighteenth century – Captaincy of Sao Paulo


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Adelto Gonçalves, jornalista,  é doutor em Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo (USP) e autor de Os vira-latas da madrugada (Rio de Janeiro, José Olympio Editora, 1981; Taubaté, Letra Selvagem, 2015), Gonzaga, um poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002), Bocage – o perfil perdido (Lisboa, Caminho, 2003), Tomás Antônio Gonzaga (Academia Brasileira de Letras/Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2012), e Direito e Justiça em Terras d´El-Rei na São Paulo Colonial (Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2015), entre outros. E-mail: marilizadelto@uol.com.br


[1] Este texto é uma versão do capítulo final do projeto de pesquisa O Reino, a Colônia e o Poder: o governo Lorena na capitania de São Paulo (1788-1797), desenvolvido com bolsa da Universidade Paulista (UNIP), dentro de seu Programa Individual de Pesquisa para Docentes. Publicado na Revista Saberes Interdisciplinares, do Instituto de Ensino Superior Presidente Tancredo de Almeida Neves, de São João del-Rei, Minas Gerais, ano VIII, nº 15, jan.-jul./2015, pp. 17-25.